Patrão Bezos impõe "mudança significativa" no Washington Post

por Cristina Santos - RTP
Gary Cameron - Reuters

O anúncio, em jeito de aviso, foi feito pelo patrão do jornal norte-americano e vai aplicar-se à página de opinião. Ou seja, na secção de opinião do Washington Post, o jornal que deitou abaixo um presidente, "os pontos de vista que se opõem a esses pilares (liberdades pessoais e mercados livres) serão deixados para serem publicados por outros".

Jeff Bezos, depois de anunciar a mudança num e-mail que enviou para toda a empresa, tornou pública esta “mudança significativa” num post na rede social X.

“Estou confiante de que os mercados livres e as liberdades pessoais são adequados para a América”, escreveu Bezos. “Também acredito que esses pontos de vista são mal recebidos" atualmente. "Estou animado por estarmos juntos para preencher esse vazio”.

Uma perspetiva que vai ao encontro daquilo que Donald Trump defende. Ou seja, a 'desinformação' enquadra-se no “direito constitucional dos cidadãos de partilharem a narrativa que querem sobre temas significativos do debate público”. Este argumento de que a liberdade de expressão permite a desinformação e as fake news, foi utilizado por Mark Zuckerberg. 

O fim do programa de verificação de factos nas redes sociais Meta (Facebook, Instagram, Threads e Whatsapp) foi justificado com um "temos que voltar às nossas raízes sobre a liberdade de expressão" porque, afirmou Zuckerberg, o sistema de verificação de factos tem "muitos erros e censura a mais".

A “mudança significativa” já provocou a demissão do editor da secção de opinião do jornal. Jeff Bezos explicou que “ofereci a David Shipley, que admiro muito, a oportunidade de liderar este novo capítulo”. No entanto, também lhe disse que “se a resposta não fosse um ‘claro que sim!’ (‘hell yeah’) teria que ser ‘não’”.

No e-mail para a equipa editorial do Washington Post, a que a CNN teve acesso, David Shipley disse que decidiu sair “após refletir sobre a melhor forma de continuar na profissão que amo”.

A saída de Shipley ocorre depois de quatro meses sob muitas críticas relacionadas com a decisão de não publicar um cartoon de Ann Telnaes. Um cartoon que retratava Jeff Bezos e outros magnatas a beijarem os pés de Donald Trump.

O anúncio de Bezos foi muito mal recebido por alguns funcionários do Washington Post, o jornal que na década de 1970 esteve na origem do caso Watergate, que ditaria a saída em desgraça do presidente Richard Nixon da Casa Branca. Jeff Stein, o principal repórter de economia classificou a reforma como uma “invasão massiva de Jeff Bezos” que deixa claro que “opiniões divergentes não vão ser publicadas ou toleradas”. “Se Bezos tentar interferir no lado noticioso, sairei imediatamente”, escreveu o jornalista no X.

Também o colunista Philip Bump, que escreve no jornal, desabafou na Bluesky Social (plataforma de microblogging) “que merda é esta (“what the actual f**k”)”.

Por outro lado, o editor executivo do Post, num e-mail enviado à redação garantiu que “o trabalho independente e imparcial da redação do Post permanece inalterado”.

Desde o anúncio, dois ex-editores do jornal mostraram-se contra a medida. Marty Baron, ex-editor executivo do Post, disse estar “triste e enojado” com as exigências de Bezos, que “traem os princípios de sempre do Post”.

David Maraniss, editor de longa data do Post e vencedor do Prémio Pulitzer, garantiu que “nunca mais escreveria (para o Post) enquanto (Bezos) fosse o proprietário”.

Durante a campanha presidencial, um artigo de opinião foi censurado porque apoiava a candidata Kamala Harris. Desde esse momento, o Washington Post viu 250 mil leitores cancelarem as assinaturas do jornal e vários repórteres a passarem para publicações rivais.

Falta saber que consequência terá a decisão do dono do Washington Post para o Jornalismo e a Liberdade de Imprensa norte-americana.
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