No Verão de 1944, o chefe nazi mandou armadilhar os monumentos mais emblemáticos da capital francesa, incluindo a catedral de Notre Dame. A ordem era deitar fogo a tudo antes de perder a batalha pela cidade. Mas o general von Choltitz não a cumpriu.
Algumas vezes, Hitler foi comparado com o tresloucado imperador romano Nero, que deitou fogo a essa outra cidade das sete colinas para se deleitar com a visão das chamas. Mas no caso de Hitler havia em primeiro lugar a convicção de que podia ter utilidade militar destruir tudo o que pudesse cair nas mãos do inimigo.
E havia certamente a aposta de desmoralizar esse inimigo através da destruição de tesouros culturais que eram, para a sua cultura, insubstituíveis e que, no caso de Paris, tinham no próprio Hitler um admirador confesso. Por isso ordenou ao seu arquitecto preferido, Albert Speer, que projectasse a futura capital do Reich, a "Germania" que devia substituir Berlim, como imitação de Paris.
As ordens do chefe nazi deviam ser levadas a sério pelos Aliados, que desde junho de 1944, após o bem sucedido desembarque na Normandia, avançavam em território francês. O método da "terra queimada" vinha sendo utilizado em todas as frentes em que a Wehrmacht estava em recuo.
Uma cidade como Varsóvia iria ser quase completamente destruída na insurreição ocorrida nesse mesmo verão de 1944. E, até em território alemão, nos meses seguintes, a ordem hitleriana de "terra queimada" ia ser a de arrasar tudo o que pudesse ter utilidade para a reconstrução económica no regime da vitória aliada. Mesmo indefectíveis nazis, como Albert Speer entretanto promvido a ministro do Armamento, entenderam aí que lhes convinha mais sabotarem a execução da ordem.
Em Paris, Hitler planeava defender a cidade até ao último homem e destruí-la completamente assim que a defesa se tornasse impossível. Entre os monumentos que mandou armadilhar encontravam-se a Torre Eiffel, a Ópera, o Sacré Coeur e, naturalmente, a catedral de Notre Dame.
A ordem transmitida em 23 de agosto de 1944 a Dietrich von Choltitz, o general que comandava a praça forte, dizia literalmente: "As pontes sobre o Sena devem ser preparadas para explodir. Paris não pode cair nas mãos do inimigo ou só pode cair como campo de ruínas".
Um imprevisto concedeu à cidade algum tempo - na verdade um compasso de espera. As tropas aliadas optaram por adiar a conquista da cidade e contornaram-na, seguindo em direcção a norte e a leste. Calcularam que a bolsa de tropas alemãs deixada em Paris teria de render-se pacificamente algum tempo depois e que a cidade seria poupada a uma batalha mortífera - em primeiro lugar para os seus habitantes, mas também para os seus tesouros culturais e especialmente arquitectónicos.
Acontece que o ritmo da revolta popular não se deixava marcar pelo ritmo das operações militares. As organizações da resistência lançaram-se à tomada dos principais edifícios controlados pelos nazis. A capital francesa, que parecera escapar à destruição devido ao desvio das tropas aliadas, voltava a estar ameaçada por uma guerra rua a rua e casa a casa. E, logo que os nazis vencessem essa guerra, como militarmente parecia inevitável, era quase certo que cumpririam a ordem hitleriana e fariam de Paris um campo de ruínas, como fizeram da Varsóvia insurrecta.
Às tropas aliadas colocava-se um delicado problema político. Para não serem acusadas da mesma passividade que Estaline mantivera perante o esmagamento de Varsóvia, acabaram por decidir-se a enviar a Divisão blindada do general Leclerc em socorro da insurreição parisiense.
Contra esse reforço, a bolsa de tropas alemãs não tinha possibilidades de vencer, mas poderia ainda ter executado a ordem de terra queimada. Aí se originou a famosa pergunta que, segundo a lenda, Hitler terá feito telefonicamente a von Choltitz: "Paris já está a arder?" - muitas vezes glosada na literatura e na cinematografia do pós-guerra.
Mas nesse momento, o general já sabia que a derrota da Alemanha nazi era uma questão de tempo, e não muito. Nas suas memórias, publicadas em 1950, escreveu: "Eu não cumpri as ordens que me intimavam a destruir Paris. Não porque tivesse renunciado à ideia de obediência, mas por ter tido de reconhecer numa situação muito difícil que essas ordens vinham de um homem que se afundava rapidamente na loucura".
Em 25 de agosto, von Choltitz rendeu-se aos Aliados. Para arder mesmo, Notre Dame ia ter de esperar 75 anos, com muitas incúrias e negligências à mistura.