O papel-chave de Wang Huning numa importante reunião da elite política da China sugere o triunfo de um ideólogo que recusa reformas liberais e que analistas consideram moldar a governação do Presidente chinês, Xi Jinping.
Wang foi chefe adjunto da equipa liderada por Xi que redigiu as resoluções da terceira sessão plenária do Comité Central do Partido Comunista Chinês (PCC), no mês passado, que definiu a orientação económica do país para a próxima década.
Investidores estiveram atentos para perceber se o evento ia atribuir ao setor privado maior protagonismo na economia chinesa, após intensas campanhas regulatórias contra grandes empresas, mas analistas indicam que o mesmo serviu, sobretudo, para reforçar os princípios da governação de Xi, que devolveu ao PCC controlo absoluto sobre a sociedade, ensino ou economia da China.
Neil Thomas, investigador de política chinesa no Asia Society Policy Institute, observou que o papel de Wang no terceiro plenário "mostra que a sua influência política excede o que é normal para um presidente da CCPPC".
"Wang parece continuar a ser o cérebro de Xi para a sua agenda de reformas internas", apontou. "Ele é um sobrevivente político que serviu lealmente os dois líderes anteriores [Jiang Zemin e Hu Jintao], mas que encontrou em Xi Jinping o seu maior adepto. O projeto intelectual neo-autoritário de Wang é um complemento perfeito para o projeto político centralizador de Xi", acrescentou.
O atual curso político da segunda maior economia do mundo representa um triunfo para Wang Huning, que, ao invés de defender as reformas liberais executadas no país, nos anos 1990, articulou uma visão política "neo-autoritária".
A China "tem de descobrir novos valores políticos a partir das nossas próprias tradições culturais", escreveu Wang, em 1994. "O desenvolvimento da China exige uma autoridade que possa regular toda a sociedade de forma unificada", apontou.
Outrora um prolífero autor e proeminente académico, Wang Huning dirigiu, entre 2002 e 2020, o Escritório Central de Pesquisa Política do Comité Central do PCC, responsável por fornecer recomendações em questões de governação.
No ano passado, assumiu a chefia da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPC), uma espécie de senado, e é atualmente o quarto funcionário de mais alto escalão no PCC, cumprindo o segundo mandato no Comité Permanente do Politburo, a cúpula do poder no país, onde foi chefe de ideologia e propaganda, entre 2017 e 2022.
"Tal figura é facilmente reconhecível no Ocidente como `eminência parda`, na tradição de Tremblay, Talleyrand, Metternich, Kissinger ou Vladislav Surkov, conselheiro de Vladimir Putin", escreveu N. S. Lyons, analista sediado em Washington, num ensaio sobre Wang.
A sua ascensão ocorre também num período em que, "quando olham para os Estados Unidos, os chineses, que outrora viam ali o símbolo de um futuro melhor, veem agora um país arrasado pela desindustrialização, decadência rural, uma elite que se autoperpetua, caos cultural, niilismo histórico, desagregação da família e perda da unidade nacional e propósito", observou N.S. Lyons.
Quando, em janeiro de 2021, uma multidão invadiu o edifício do Capitólio, em Washington, as cópias esgotadas do mais célebre livro de Wang Huning, America Against America ("A América Contra a América"), foram vendidas pelo equivalente a até 2.200 euros nos portais de comércio eletrónico da China.
No livro, escrito após uma estadia de seis meses nos EUA, em 1988, Wang expressou choque com os acampamentos de sem-abrigo, o crime violento ou as mortes por consumo excessivo de droga.
Observou que a América enfrenta uma "profunda crise imparável", fruto das suas contradições, incluindo o fosso entre ricos e pobres, o poder democrático e oligárquico, os direitos individuais e as responsabilidades coletivas, as tradições culturais e a modernidade.
A raiz do problema é o "individualismo radical e niilista no núcleo do liberalismo americano moderno" e a mercantilização "abundante" de todas as esferas da vida humana, lê-se na obra.
No regresso à China, Wang defendeu que o país tinha que resistir à influência liberal global e tornar-se uma nação culturalmente unificada e autoconfiante, governada por um partido forte e centralizado.
"A era de tolerância com o liberalismo económico e cultural na China acabou", notou N. S. Lyons. "A governação [de Xi] são trinta anos do pensamento de Wang manifestados na política".