Papa reza pelas vítimas do Estado Islâmico em visita a Mossul

por Inês Moreira Santos - RTP
Alessandro di Meo - EPA

De visita à cidade iraquiana de Mossul, que foi a "capital do califado" até há três anos, o Papa Francisco protagonizou, este domingo, uma cerimónia de orações pelas "vítimas de guerra" no Iraque. O Sumo Pontífice da Igreja Católica apelou à fraternidade, rezando pelos cristãos e por todos os que foram perseguidos pelo Estado Islâmico no norte do país.

No terceiro dia da visita papal ao Iraque, o Papa está de visita a regiões do norte do país que foram anteriormente ocupadas - e parcialmente destruídas - pelo Estado Islâmico. Na cidade iraquiana de Mossul, onde em 2014 os jihadistas declararam o califado, o Papa Francisco rezou uma oração pelas vítimas da guerra no Médio Oriente.

Assim que chegou a Mossul, este domingo de manhã, dirigiu-se à praça de Hosh al-Bieaa, onde antes existiam quatro igrejas cristãs - sírio-católica, armeno-ortodoxa, sírio-ortodoxa e caldeia - destruídas pelos ataques terroristas entre 2014 e 2017.

De passagem pela cidade e pelas ruínas de antigas igrejas, Francisco começou por lamentar "trágica diminuição" do número de cristãos no Iraque, principalemtne após da ocupação do grupo extermista, salientando que a fuga dos cristãos representou "um dano incalculável" e voltou a apelar ao diálogo na região.
"A trágica redução dos discípulos de Cristo, aqui e em todo o Médio Oriente, é um dano incalculável não só para as pessoas e comunidades envolvidas, mas também para a própria sociedade que eles deixaram para trás", afirmou perante uma plateia de fieis, citado pelo Vatican News.

Continuando a saudação no meio dos escombros das quatro igrejas pertencentes a denominações cristã diferentes, o Papa destacou: "como é cruel que este país, berço de civilizações, tenha sido atingido por uma tormenta tão desumana, com antigos lugares de culto destruídos e milhares e milhares de pessoas – muçulmanas, cristãs, yazidis e outras – deslocadas à força ou mortas".

Em Mossul, uma próspera cidade comercial durante séculos, as autoridades católicas não conseguiram encontrar uma igreja adequada para acomodar o Papa Francisco. No total, 14 igrejas na província de Nínive (ao norte), da qual Mossul é a capital, foram destruídas, incluindo sete que datam dos séculos V, VI e VII, e, portanto, foi necessário construir uma espécie de palco nas ruínas de quatro igrejas de diferentes ritos, incluindo a igreja al-Tahira em Mossul, que tem mais de mil anos.

Foi a partir daí que Francisco se dirigiu a uma pequena multidão sob gritos de "Viva o Papa".
Papa apela à Fraternidade

Num gesto de apelo à unidade entre os cristãos, o Papa Francisco protagonizou a curta celebração no centro das quatro igrejas, no meio de um cenário de destruição.

"Erguemos as nossas vozes em oração a Deus Todo-Poderoso por todas as vítimas da guerra e dos conflitos armados. Aqui em Mossul, saltam à vista as trágicas consequências da guerra e das hostilidades"
, assinalou o Papa.

Dando início à oração pelas vítimas de guerra no Iraque, o pontífice de 84 anos afirmou que, apesar de tudo, "a fraternidade é mais forte que o fratricídio, que a esperança é mais forte que a morte, que a paz é mais forte que a guerra".

"Esta convicção fala com uma voz mais eloquente do que a do ódio e da violência e jamais poderá ser sufocada no sangue derramado por aqueles que pervertem o nome de Deus ao percorrer caminhos de destruição", continuou.

Numa breve permissa, Francisco orou: "Se Deus é o Deus da vida, e Ele o é, para nós não é permitido matar os nossos irmãos em seu nome". E continuou: "Se Deus é o Deus da paz, e Ele o é, não nos é lícito fazer guerra em seu nome. Se Deus é o Deus do amor, e Ele o é, não nos é permitido odiar os irmãos".

Diante da destruição brutal causada durante os anos em que EI transformou Mossul na capital iraquiana de seu autoproclamado "califado", Francisco concluiu implorando o perdão de Deus por tudo o que aconteceu, enquanto confiava a Ele "as muitas vítimas do ódio de o homem contra o homem".

Só com paz e reconciliação "esta cidade e este país podem ser reconstruídos e será possível curar corações despedaçados pela dor", afirmou.

Aplaudido várias vezes durante o seu discurso, o Papa ouviu alguns testemunhos das atrocidades cometidas em Mossul durante a invasão do Daesh, que causou o êxodo de cerca de 500 mil pessoas, 120 mil delas cristãs.

"Em nome do Conselho, convido os nossos irmãos cristãos a regressarem a esta cidade que é deles, às suas propriedades, e a retomar os seus negócios", disse Gutayba Aagha, chefe do Conselho Social e Cultural Independente das Famílias de Mossul, ao Papa perante a multidão.

"Rezemos também por todos nós para podermos, independentemente das respetivas filiações religiosas, viver em harmonia e paz, conscientes de que, aos olhos de Deus, todos somos irmãos e irmãs", concluiu o Sumo Pontífice da Igreja Católica.

Mossul, situada junto à antiga cidade assíria de Nínive, albergou dentro da Cidade Velha, ao longo de séculos, vários grupos étnicos, linguísticos e religiosos - situação alterada em 2014, após a ocupação do Daesh, que levou à fuga de milhares de pessoas.

Nos arredores desta cidade já ocupada pelo grupo extremista, agentes e postos de segurança estavam por toda a parte na província, onde os ‘jihadistas’ ainda estão escondidos, apesar da derrota militar do EI no final de 2017.

Os poucos quilómetros que Francisco percorreu por estrada foram em carros blindados. Durante a maior parte dos 1.445 quilómetros do seu percurso iniciado na sexta-feira, o Papa viajou num avião ou num helicóptero para evitar áreas onde células ‘jihadistas’ clandestinas ainda estão escondidas.

A viagem do líder da Igreja Católica ao Iraque, a primeira da História, começou na sexta-feira passada, com um dia marcado por encontros diplomáticos com o Presidente e o primeiro-ministro do Iraque em que o Papa apelou ao fim do extremismo e da violência na região. No sábado a agenda papal foi dedicada ao diálogo inter-religioso, destacando o encontro inédito com o grande aiatolá Al-Sistani, o principal líder xiita do Iraque - os dois líderes religiosos apelaram ao diálogo entre as religiões como chave para a paz no Médio Oriente.

O programa da viagem papal, este domingo, volta-se para dentro da Igreja e para os cristãos, que atualmente representam no Iraque uma pequena minoria de cerca de 270 mil fiéis. Do roteiro do Papa fazem parte três cidades com grande simbolismo para a história recente dos cristãos iraquianos: Mossul, Qaraqosh e Erbil.

Os cristãos, que durante semanas restauraram e poliram igrejas destruídas ou queimadas pelo EI, querem ver nesta visita papal uma mensagem de esperança.
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