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Palestinianos festejam "certidão de nascimento" de futuro Estado na ONU

por RTP
A votação na Assembleia Geral da ONU coincidiu com o 65.º aniversário da adoção do plano de partilha da Palestina, que estabelecia a instituição de um Estado hebraico e de outro árabe Andrew Gombert, EPA

Com 138 votos a favor, nove contra e 41 abstenções, foi aprovada na última noite uma histórica resolução que atribui à Palestina o estatuto de “Estado observador não-membro” nas Nações Unidas. O desfecho da votação na Assembleia Geral da ONU, que o Presidente da Autoridade Palestiniana descreveu como “certidão de nascimento” de um futuro Estado independente “com Jerusalém Oriental como capital”, foi acolhido com júbilo por milhares de palestinianos em Ramallah, na Cisjordânia. E mereceu o aplauso do Hamas em Gaza. Amparado pela diplomacia norte-americana, o primeiro-ministro israelita apressou-se a advertir que “nada mudará no terreno”.

Os palestinianos vivem horas históricas. Mas o caminho até à independência continuará a ser “longo e difícil”. O Presidente da Autoridade Palestiniana sintetizou assim o feito diplomático conseguido nas últimas horas em Nova Iorque. Independentemente da persistência de obstáculos de monta, ao ganhar o estatuto de “Estado observador não-membro” no seio da ONU, assinalou Mahmud Abbas, a Palestina vê emitida a sua “certidão de nascimento”.
A resolução ontem adotada apela ao retomar das negociações israelo-palestinianas, insistindo na meta da instituição de um Estado da Palestina que possa coexistir com Israel “em paz e em segurança”. Com base nas “fronteiras anteriores a 1967”.

O texto expressa ainda “a esperança de que o Conselho de Segurança encare de forma favorável” a candidatura da Palestina ao estatuto de Estado-membro de pleno direito, formalizada em 2011 pela mão de Mahmud Abbas. E bloqueada desde então pela ameaça de veto por parte dos Estados Unidos.

Uma das fontes de maior inquietação para israelitas e norte-americanos é a possibilidade, que agora se abre com a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, de futuros processos desencadeados pela Autoridade Palestiniana junto do Tribunal Penal Internacional.


Na antecâmara da votação, Abbas dramatizara a escolha colocada às delegações dos países representados na Assembleia Geral das Nações Unidas. Tratava-se, segundo o Presidente da Autoridade Palestiniana, da “última oportunidade para salvar a solução de dois Estados”. Porque “o tempo pressiona, a paciência escapa-se e a esperança diminui”.

Embalado pelos aplausos entusiásticos que recebeu ao aproximar-se da tribuna, Mahmud Abbas comprometeu-se a procurar “reanimar as negociações” de paz com Israel, obstruídas há já mais de dois anos. Sem concretizar os passos que poderá dar. Ao mesmo tempo, lançou mão de “direitos nacionais inalienáveis” para frisar que os palestinianos “não aceitarão nada menos do que um Estado da Palestina independente com Jerusalém Oriental como capital, sobre todo o território palestiniano ocupado em 1967, vivendo em paz e em segurança ao lado do Estado de Israel”.

Abbas pontuaria o seu discurso com várias menções à “agressão israelita” contra a Faixa de Gaza, ao cabo de uma semana de cessar-fogo entre o Estado hebraico e o Hamas. Também esta organização islamita – que administra o enclave da Faixa de Gaza desde 2007, ano em que um conflito fratricida confinou a Fatah, movimento do Presidente da Autoridade Palestiniana, aos limites territoriais da Cisjordânia – saudou a “nova vitória no caminho para a libertação da Palestina”.

Chegado o momento da votação, concretizou-se a distribuição de posições que se fora desenhando ao longo dos últimos dias: a resolução que elevava a Palestina a “Estado observador não-membro” passaria com os votos favoráveis de 138 países, entre os quais Portugal, nove votos de sinal negativo e 41 abstenções.

Além de Estados Unidos e Israel, votaram contra a resolução as delegações de Canadá, República Checa, Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru, Palau e Panamá. As diplomacias do Velho Continente votaram de forma fragmentada. Enquanto portugueses, espanhóis, italianos, suecos, suíços e turcos votaram favoravelmente, Reino Unido e Alemanha optaram pela abstenção. Rússia e China aprovaram o documento. A posição alemã levou mesmo Telavive a reconhecer que Israel “perdeu a Europa”.
“Difamatório e venenoso”

Entre os vencidos da contenda diplomática, nada se alterou nos discursos oficiais. Se a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, encarou a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas como mais um “obstáculo no caminho para a paz”, estimando que a criação de um novo Estado só pode ter por base negociações diretas com Israel, o primeiro-ministro israelita não hesitou em acusar Mahmud Abbas de ter feito um discurso “difamatório e venenoso”.

“A decisão da ONU não mudará nada no terreno. Não haverá Estado palestiniano sem compromissos que garantam a segurança dos cidadãos de Israel”, declarou Benjamin Netanyahu. Que remeteria aos palestinianos mais um aviso com contornos de ameaça: “Ao apresentarem o seu pedido à ONU os palestinianos violaram os seus acordos com Israel e Israel vai agir em conformidade”.



Na mesma linha, o ministro israelita dos Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman, acusaria Abbas de ter “demonstrado absolutamente que não está interessado em fazer a paz”. O seu vice, Danny Ayalon, iria mais longe, considerando que o Governo de Israel deixou de estar vinculado aos “acordos com os palestinianos” e deve agora “agir em função dos seus interesses”. Afirmou também que “a comunidade internacional deu mostras, uma vez mais, da sua irresponsabilidade”.

A breve trecho, a decisão da ONU poderá ter como consequência a aplicação de sanções acrescidas à Autoridade Palestiniana. Estas represálias podem passar por um corte nas licenças de trabalho atribuídas pelas autoridades israelitas a palestinianos. Ou mesmo pelo congelamento, no Congresso dos Estados Unidos, de um envelope de assistência financeira na ordem dos 200 milhões de dólares (154,2 milhões de euros).

Aprovada a resolução, o embaixador português nas Nações Unidas fez uma breve declaração para apelar ao regresso às negociações “sem demoras ou pré-condições”.

Recordando que a diplomacia de Lisboa tem defendido o “direito inalienável do povo palestiniano à autodeterminação”, Moraes Cabral sublinhou que o voto favorável da delegação portuguesa deve também ser lido como “um reconhecimento do Presidente Mahmud Abbas e do primeiro-ministro [Salam] Fayyad e do seu compromisso inabalável para com o diálogo e resolução pacífica do conflito”.

“Na nossa visão, rejeitar a violência e escolher canais diplomáticos são condições fundamentais para alcançar a paz”, assinalou o diplomata português.
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