Pacto para migrações. UE não obriga países a acolherem migrantes mas apela à "solidariedade"

por RTP
Reuters

A Comissão Europeia propôs esta quarta-feira um novo "Pacto para as Migrações e Asilo" que vai permitir que os Estados-membros da União Europeia possam escolher se recebem ou não os migrantes e refugiados. Esta proposta prevê procedimentos mais rápidos e eficazes e, apelando à solidariedade dos 27 Estados-membros, o executivo comunitário propõe oferecer dez mil euros por cada migrante adulto que um país aceite acolher.

Apresentado pelo Executivo comunitário, o novo Pacto para as Migrações e Asilo visa implementar um "mecanismo de solidariedade obrigatória" e, assim, reverter a controversa Convenção de Dublin, que define que cabe ao primeiro país de acolhimento assumir todo o processo de pedido de asilo.

A proposta da Comissão Europeia contempla, portanto, três grandes pilares: além da "repartição justa de responsabilidades", assenta também em procedimentos mais rápidos e eficazes, através de um procedimento fronteiriço integrado, e numa "mudança de paradigma na cooperação com países terceiros".

Começando por assumir que "o sistema atual não funciona", e que, nos últimos cinco anos, desde a grande crise migratória de 2015, "a União Europeia não foi capaz de o consertar", o executivo comunitário propôs um novo pacto migratório, para que a Europa passe a ter "um sistema de gestão das migrações previsível e fiável", que substitua as "soluções ad-hoc" a que se tem assistido nos últimos anos.

O principal pilar desta reforma é um mecanismo que obriga todos os Estados-membros a participarem na gestão dos fluxos migratórios do Mediterrâneo. No entanto, o sistema proposto pela Comissão Europeia abre duas possibilidades de ajuda: a realocação dos migrantes e refugiados ou a repatriação daqueles que provem não ter direito a proteção internacional.

Segundo a proposta do Executivo comunitário, os Estados-membros da UE vão poder passar a escolher se aceitam ou não refugiados, ou seja, o sistema de quotas - criticado por países como a Hungria ou a Polónia, que se recusaram sempre a aceitar os números impostos pela UE - vai acabar.

Contudo, a Comissão Europeia quer incentivar os Estados-membros a receber pessoas que cheguem à UE por terra ou mar ou que necessitem de asilo quando resgatados no Mar Mediterrâneo. Por isso, este novo plano prevê que cada país que aceite receber um migrante adulto receba dez mil euros, valor retirado do orçamento da UE.

Mas o foco deste novo acordo está, essencialmente, no retorno das pessoas que não consigam provar que precisam de proteção internacional.

"Precisamos de lidar com a situação real e não com a situação que as pessoas criaram nas suas cabeças. A maioria [das chegadas] não são refugiados: dois terços das chegadas irregulares terão uma decisão [de asilo] negativa", explicou a comissária europeia para os Assuntos Internos, Ylva Johansson.

Mas para facilitar esses retornos "são necessários procedimentos mais rápidos porque quando as pessoas ficam vários anos num país, é muito difícil organizar repatriações, especialmente as voluntárias e, portanto, o objetivo é que uma decisão negativa de asilo seja acompanhada com uma decisão de repatriamento".


Portanto, de acordo com as medidas propostas, cabe aos países ou acolher migrantes e refugiados ou repatriar todos os que não sejam aceites como refugiados nos países onde se registem. É como um "sistema de contribuições flexíveis dos Estados-membros", que prevê que estes tanto possam recolocar requerentes de asilo a partir do país de entrada na União Europeia, como assumir a responsabilidade de fazer regressar aos locais de origem aqueles cujos requerimentos tenham sido negados e não tenham o direito de permanecer em território da UE, ou ainda "outras formas de apoio".

Os governos que não aceitem mais pessoas podem ainda optar por investir em outras medidas, por exemplo no financiamento de centros de receção em países sob pressão, como a Grécia.

Apesar desta nova forma de cooperação "flexível", a Comissão adverte que "serão necessárias contribuições mais rigorosas em momentos de pressão sobre Estados-membros específicos, baseadas numa rede de segurança".
UE quer procedimentos rápidos e eficazes

Impulsionado pela chanceler alemã, Angela Merkel, este pacto propõe uma "divisão justa de responsabilidades e solidariedade entre os Estados-membros, proporcionando segurança para os candidatos individuais".

"Hoje, estamos a propor uma solução europeia para reconstruir a confiança entre os Estados-membros e restaurar a confiança dos cidadãos na nossa capacidade de gerir a migração como uma União. A UE já provou noutras áreas que pode tomar medidas extraordinárias para reconciliar perspetivas divergentes", comentou a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen.

"Criámos um complexo mercado interno, uma moeda comum e um plano de recuperação sem precedentes para reconstruir as nossas economias. É agora tempo para enfrentar o desafio de gerir a migração em conjunto, com o equilíbrio certo entre a solidariedade e responsabilidade", sustentou.


Bruxelas propôs ainda a introdução de um procedimento fronteiriço integrado que, pela primeira vez, inclui um rastreio pré-entrada que abrange a identificação de todas as pessoas que atravessam as fronteiras externas da UE sem autorização ou que tenham sido resgatas após operações de busca e salvamento.

"Tal implicará também um controlo de saúde e de segurança, a recolha de impressões digitais e o registo na base de dados da Eurodac [identificação de requerentes de asilo]", indica a Comissão na sua proposta.

"Após o rastreio, os indivíduos podem ser canalizados para o procedimento correto, seja logo na fronteira, para certas categorias de requerentes, seja através de um procedimento normal de asilo", acrescenta o executivo comunitário, argumentando que, deste modo, "serão tomadas decisões rápidas em matéria de concessão de asilo ou de regresso".

A Comissão defende ainda que a UE deve esforçar-se por promover "parcerias à medida e mutuamente benéficas com países terceiros", ajudando assim a "enfrentar desafios comuns, tais como o tráfico de migrantes", a "desenvolver percursos legais” e permitirá garantir "uma efetiva aplicação dos acordos de readmissão".

"A UE e os seus Estados-membros atuarão em unidade, utilizando uma vasta gama de instrumentos para apoiar a cooperação com países terceiros em matéria de readmissão", segundo se lê nos documentos relativos ao Pacto.

O pacto refere também que a permanência destas pessoas em centros de acolhimento e campos de refugiados deve ser de curta duração, argumentando que incidentes como o incêndio que destruiu o maior campo de refugiados da UE, em Moria, na ilha grega de Lesbos, "é o resultado da falta de uma política europeia de asilo e migração".

Apresentada a proposta pelo executivo de Von der Leyen, cabe agora ao Conselho (Estados-membros) e Parlamento Europeu examinarem e adotarem toda a legislação necessária "para tornar uma verdadeira política de migração e asilo da UE uma realidade".

"Dada a urgência de situações locais em vários Estados-membros, os colegisladores são convidados a alcançar um acordo político em torno dos princípios-chave do regulamento sobre gestão de asilo e migração e o adotem até final do ano", sublinha a Comissão.

Há muito aguardada, face às óbvias divergências entre os Estados-membros nesta matéria desde a crise migratória de 2015, a reforma da política migratória e de asilo da União Europeia era uma das ‘bandeiras’ da "Comissão Von der Leyen", e já deveria ter sido apresentada no primeiro trimestre do ano, mas foi adiada pela pandemia da Covid-19.
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