Orbán pode criar polémicas no Conselho da UE mas burocracia europeia minimiza danos

por Lusa

Especialistas em assuntos europeus admitem que o primeiro-ministro húngaro, o ultraconservador Viktor Orbán, poderá criar polémicas durante a sua presidência do Conselho da União Europeia (UE), no segundo semestre, mas a máquina burocrática europeia conseguirá minimizar eventuais danos.

"Há um ditado que diz que um leopardo nunca muda as suas pintas", resume Dharmendra Kanani, porta-voz do centro de análise de políticas europeias Friends of Europe, acrescentando: "Tendo em conta o historial de Orbán na frente interna e o uso do seu veto em decisões políticas fundamentais da UE, é difícil aceitar garantias de Budapeste".

Viktor Orbán tem protagonizado vários momentos de tensão no seio da UE, ao vetar, por exemplo, apoio financeiro à Ucrânia, e vendo fundos europeus retidos por violações ao Estado de Direito.

"Sabemos que a Hungria já está sujeita às medidas do artigo 7.º e é inédito que um Estado-membro sujeito a essas medidas assuma o leme da presidência", nota a Friends of Europe, em declarações à Lusa.

"A preocupação", continuou o representante do grupo de reflexão, é que o líder húngaro aproveite a liderança do Conselho da UE para comunicar "uma retórica que não está de acordo com os valores europeus".

No mesmo sentido, Ricardo Borges da Fonseca, diretor-adjunto do Centro de Política Europeia, admite que "pode haver aqui ou ali um episódio em que Orbán vai dizer alguma coisa que é completamente ao arrepio daquilo que é a maioria do consenso europeu".

O líder húngaro, admitiu, "pode adotar uma retórica no discurso em Budapeste para satisfazer a sua base política de apoio que não tem necessariamente que ser o mesmo em Bruxelas".

Mas, concordam os analistas, os eventuais `danos` serão limitados.

"Orbán não pode impor a sua vontade aos outros 26 [países]", refere Ricardo Borges da Fonseca.

Henrique Burnay, da consultora especializada em assuntos europeus Eupportunity, salienta que a presidência rotativa tem a obrigação de "ser um mediador sério [`honest broker`], um facilitador de acordos entre os 27".

"Qualquer gesto no âmbito da política interna poderia ter significado político, mas não tem relação com o exercício da presidência", considera.

Burnay salienta que o primeiro-ministro húngaro nunca presidirá a qualquer reunião, porque ao nível dos chefes de Estado e de Governo as reuniões são sempre presididas pelo presidente do Conselho Europeu, o recém-eleito António Costa.

Além disso, apontam os analistas, há uma `máquina` por trás que garante a uniformidade das presidências -- compostas por trios: neste caso, Espanha, Bélgica e Hungria.

"Felizmente, a estrutura administrativa da UE entrará em ação para garantir a moderação dos pontos de vista e das decisões", diz Kanani, que ressalva que "apesar das preocupações de muitos Estados-membros relativamente ao efeito Orbán, historicamente a União Europeia sempre privilegiou o consenso".

Por outro lado, o segundo semestre do ano será essencialmente dedicado à instalação do novo Parlamento Europeu e à escolha dos novos comissários europeus, após as eleições de junho.

"A disponibilidade do Parlamento para negociações com o Conselho é, por isso, reduzida. Não se espera que seja um semestre muito legislativo, o que reduz o impacto desta presidência. No máximo, a Hungria pode não avançar dossiês", admite Burnay.

A presidência húngara poderá também ter impacto na política externa dos 27, tendo em conta as conhecidas afinidades de Orbán com o Presidente russo, Vladimir Putin, com o líder israelita Benjamin Netanyahu, e com o candidato republicano norte-americano Donald Trump, e uma vez que cabe à presidência rotativa o agendamento dos temas.

"As objeções da Hungria são um potencial obstáculo à tomada de decisões", refere Burnay, recordando que a presidência belga quis iniciar as negociações de adesão com a Ucrânia a poucos dias do fim do seu mandato.

Uma decisão que Ricardo Borges da Fonseca aplaude, notando que "a Hungria esteve aberta para que isso acontecesse".

O Friends of Europe acredita que o dirigente húngaro "terá dificuldade em reduzir o pacote financeiro para a Ucrânia, mas pode aproveitar a oportunidade de haver Estados-membros descontentes, incluindo a Eslováquia, para bloquear ou diluir o apoio financeiro plurianual à Ucrânia".

Sobre o conflito no Médio Oriente, o responsável do EPC aponta a grande divisão entre os 27, enquanto Burnay admite que se trata de uma matéria que "tem tudo para criar conflitualidade entre os Estados-membros e nenhuma possibilidade de chegar a bom porto se for um tema puxado por uma parte pouco disponível para o compromisso".

Num cenário de eventual reeleição de Donald Trump nas eleições presidenciais norte-americanas em novembro, Henrique Burnay afirma que o primeiro-ministro húngaro "pode usar a sua condição de país com a presidência rotativa para dar um sinal de apoio a Trump".

"O que, não comprometendo a UE, seria motivo de tensão e desacordo interno", comenta.

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