Opositores de Putin. Kara-Mourza começa a ser julgado enquanto documentário sobre Navalny recebe Óscar

por Joana Raposo Santos - RTP
As autoridades russas intensificaram as ações judiciais contra os críticos de Vladimir Putin desde o início da ofensiva na Ucrânia. EPA

O opositor russo Vladimir Kara-Mourza começou esta segunda-feira a ser julgado num tribunal de Moscovo, arriscando até 20 anos de prisão pelo alegado crime de traição. Em causa estão críticas às autoridades russas em discursos públicos no estrangeiro. Kara-Mourza é um dos mais emblemáticos exemplos de repressão pelo Kremlin, à semelhança de Alexei Navalny, cuja história mereceu na última noite o Óscar de melhor documentário.

"Começa hoje o julgamento do Vladimir, em Moscovo. Um verdadeiro patriota russo que é acusado de alta traição devido à sua luta incansável por uma Rússia livre de Putin", escreveu no Twitter a mulher do político e opositor Evgenia Kara-Murza.

"Estou sempre apenas a um passo de distância de ti, meu amor, e continuarei a lutar contigo e por ti durante o tempo que for necessário", acrescentou.


O opositor, que se encontra em prisão preventiva desde abril de 2022, é também alvo de um outro processo-crime - igualmente passível de pesadas penas de prisão - por alegadamente ter divulgado "informações falsas" sobre o exército russo e participado em atividades de organizações consideradas "indesejáveis".

Este processo foi iniciado depois de um discurso de Kara-Murza em março de 2022 perante deputados norte-americanos no Estado do Arizona, durante o qual criticou a ofensiva russa na Ucrânia.

Em agosto do ano passado foi acusado de trabalhar para uma “organização indesejável” após ter organizado uma conferência de apoio a presos políticos na Rússia.

Foi pouco depois, em outubro, que as autoridades abriram um terceiro processo contra o opositor por "traição", a mais grave das acusações.

Kara-Murza é um rival de longa data do presidente russo, Vladimir Putin, e terá sido envenenado por duas vezes (em 2015 e 2017), naquelas que considerou tentativas de assassinato por parte do regime russo.As autoridades russas intensificaram as ações judiciais contra os críticos de Vladimir Putin desde o início da ofensiva na Ucrânia.

O político de 41 anos é classificado por Moscovo como "agente estrangeiro", estatuto usado para denunciar e isolar dissidentes. Nasceu na Rússia, mas tem também nacionalidade britânica, já que se mudou com a mãe para o Reino Unido aos 15 anos.

Foi em adulto que se aproximou de líderes da oposição russa, em particular de Boris Nemtsov, morto a tiro em 2015, e Mikhail Khodorkovsky, empresário que passou uma década na prisão pelas críticas a Vladimir Putin.

Em entrevista à AFP em 2021, Kara-Murza garantiu que não pretendia deixar a Rússia, apesar dos riscos. "Somos políticos russos, o nosso lugar é na Rússia", considerou na altura. "O maior presente que aqueles que se opõem a Vladimir Putin podem dar-lhe é desistirem e fugirem".

A maioria dos opositores do líder russo estão atualmente na prisão ou exilados. Um dos casos mais emblemáticos é o de Alexei Navalny, também vítima de um envenenamento que lhe valeu uma hospitalização em estado grave.
“Não termos medo de nos opor a ditadores”
Navalny está neste momento a cumprir uma sentença de nove anos de prisão por fraude. Foi detido em janeiro de 2021, ao regressar à Rússia depois de um longo período na Alemanha.

O documentário sobre a sua história foi no domingo merecedor de um Óscar, com a mulher do opositor a discursar na cerimónia. "Alexei, o mundo não esqueceu a tua mensagem vital para todos nós: não devemos ter medo de nos opor a ditadores e ao autoritarismo, onde quer que apareçam”, apelou Yulia Navalny.

"Alexei, estou a sonhar com o dia em que tu e o nosso país serão livres. Continua a ser forte, meu amor”, acrescentou.Navalny divulgou vários relatórios sobre a corrupção na Rússia e no Governo Putin, tornando-se uma figura popular entre os russos que também se opõem ao regime.

O diretor do documentário, Daniel Roher, dedicou o Óscar a Navalny e a todos os presos políticos do mundo. O canadiano esteve com o opositor russo em Berlim há dois anos, enquanto este último recuperava do envenenamento.

O documentário que teve por base essa conversa foi um sucesso no Festival de Cinema Sundance, onde ganhou o prémio do público de melhor documentário e o prémio de favorito do festival.

"'Navalny' é, antes de mais, sobre a paixão, motivação e heroísmo inspiradores de Alexey Navalny, que enquanto celebramos este prémio continua a definhar numa colónia penal", lamentou Amy Entelis, vice-presidente da CNN Worldwide, que produziu o documentário em conjunto com a HBO Max.

c/ agências
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