Dois anos após o início do conflito armado no Tigray, onde poderão ter sido cometidos crimes de guerra e contra a humanidade, a ONU encorajou a comunidade internacional a apoiar as negociações lideradas pela União Africana.
Em entrevista à Lusa, Seif Magango, porta-voz do Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas (OHCHR na sigla em inglês), disse que há motivos razoáveis para acreditar que todas as partes cometeram, em graus variados, violações dos direitos humanos, do direito internacional humanitário, bem como da lei dos refugiados, ao longo do conflito.
Além disso, "algumas violações podem - dependendo das circunstâncias - constituir crimes de guerra e crimes contra a humanidade", frisou o porta-voz, manifestando preocupação com os recentes ataques aéreos na região de Tigray que resultaram em vítimas civis.
Contudo, Magango defende que a comunidade internacional pode ter um papel importante nos esforços para a cessação imediata das hostilidades e no respeito pelos direitos humanos.
Para isso, o porta-voz do OHCHR instou a comunidade internacional a continuar a apoiar as conversações de paz e o diálogo nacional, "inclusive apoiando os esforços e negociações liderados pela União Africana".
O Governo da Etiópia e os rebeldes do Tigray começaram no passado dia 25 as negociações de paz em Pretória, na África do Sul, tentando terminar quase dois anos de conflito armado nesta região no norte do país.
As conversações, realizadas sob a égide da União Africana, surgem depois de os combates terem sido retomados no final de agosto, após uma frágil trégua de cinco meses que alarmou a comunidade internacional, preocupada com as consequências humanitárias do conflito.
Apesar das negociações, Seif Magango salientou que a situação "continua preocupante", considerando fundamental o respeito dos direitos humanos ao longo do processo.
Ao assinalar os dois anos deste mortal conflito, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) lamentou que os "civis continuem a pagar um preço terrível", com perda de vidas, deslocamentos em massa, perda de meios de subsistência, danos à infraestrutura crítica e limitação do acesso a serviços vitais.
"As necessidades humanitárias no Tigray são terríveis e ameaçam a vida, com mais de cinco milhões de pessoas - mais de 90% da população da região - a necessitar de assistência alimentar e mais de dois milhões de pessoas forçados a fugir de suas casas, muitos deles pela segunda vez", observou o OCHA, em resposta à Lusa.
Esta guerra mortal no Tigray começou no início de novembro de 2020 quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou o exército federal, apoiado por forças regionais de Amhara e do exército da Eritreia, para desalojar as autoridades rebeldes da região, a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF, na sigla em inglês).
A TPLF dominou a coligação governante da Etiópia durante décadas antes de Abiy chegar ao poder, em 2018, e tê-los expulsado.
Após cinco meses de tréguas humanitárias, os combates foram retomados em 24 de agosto.
O Tigray está isolado do resto do país e privado de eletricidade, redes de telecomunicações, serviços bancários e combustível. A entrada de ajuda humanitária por via rodoviária e aérea também tem sido interrompida desde que os combates foram retomados.
O resultado do conflito, que se desenrola em grande parte fora dos olhares mediáticos, é desconhecido. A embaixadora dos EUA na Organização das Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, estimou que em dois anos "morreram até meio milhão de pessoas".
Thomas-Greenfield disse ainda que a escala dos combates e mortes registada na região do Tigray rivaliza com a situação na Ucrânia, onde civis inocentes são vítimas de fogo cruzado.
A imprensa não tem acesso ao norte da Etiópia e as comunicações operam de forma desordenada na região, impossibilitando qualquer verificação independente das informações.