O regresso à Ucrânia de civis ucranianos alvo de transferências forçadas para a Rússia deve ser apoiado pelas agências da ONU e Cruz Vermelha, defendeu a investigadora da Human Rights Watch (HRW) Belkis Wille, em declarações à Lusa.
Belkis Wille é também coautora de um relatório 71 páginas, divulgado hoje por esta organização não governamental (ONG), onde foram documentadas transferências de civis ucranianos ou uma forma de triagem de segurança coerciva, punitiva e abusiva chamada "filtragem".
"Agências das Nações Unidas, ou do Comité Internacional da Cruz Vermelha, têm uma presença na Rússia e esperamos que estas organizações possam começar a aumentar o empenho para prestar informações aos ucranianos que pretendam deixar o país", frisou Belkis Wille, investigadora sénior de crises e conflitos da HRW.
O relatório apresenta entrevistas a 54 pessoas que foram para a Rússia, passaram por "filtragens", tiveram familiares ou amigos que foram transferidos para a Rússia ou que apoiaram ucranianos que tentaram deixar a Rússia.
"Nas áreas onde decorrem estas filtragens, as organizações internacionais não têm acesso e são incapazes de intervir", lembrou à Lusa a investigadora.
A ONG realçou que as leis da guerra proíbem as forças russas ou afiliadas à Rússia de forçar civis ucranianos, individualmente ou em massa, a irem para a Rússia e que "uma transferência forçada é um crime de guerra e um crime potencial contra a humanidade".
Segundo o relatório da HRW, alguns dos civis ucranianos que tiveram acesso a telemóveis e redes sociais conseguiram conectar-se com ativistas que os ajudaram a deixar a Rússia para a Estónia, Letónia ou Geórgia.
"Na fronteira, porém, alguns tiveram dificuldades porque deixaram os seus documentos de identificação para trás quando fugiram da Ucrânia", destacou.
A HRW denunciou também que milhares de moradores da área de Mariupol, cidade portuária sitiada no sudeste da Ucrânia, foram forçados a passar pelo processo de "filtragem" enquanto tentavam fugir.
Durante estes processos de "filtragem", oficiais russos e aliados de Moscovo na região ocupada pelos russos recolheram habitualmente dados biométricos de civis, incluindo impressões digitais e fotografias frontais e laterais, realizaram buscas corporais e revistaram pertences pessoais e telefones, questionando-os ainda sobre os seus pontos de vista políticos.
Um homem de Mariupol disse que ficou juntamente com dezenas de outros habitantes, durante duas semanas, numa escola com más condições antes de serem levados para serem "filtrados".
Muitos ficaram doentes e temeram pelo seu futuro, sentindo-se como reféns, adiantou ainda citado no relatório.
Esta organização humanitária lembrou no comunicado que a Rússia pode ter "motivos legítimos" para realizar triagem de segurança de pessoas que procuram voluntariamente entrar em território russo.
Mas "o processo de filtragem - no seu intuito e da forma sistémica pela qual os civis ucranianos foram forçados a submeter-se - é punitivo e abusivo, não tem fundamento legal, e viola o direito à privacidade, apontou a Human Rights Watch, que exortou no comunicado as autoridades russas a interromperem este processo.
A ONG acrescentou que aqueles que "chumbaram" nestes processos de "filtragem", alegadamente devido a suspeitas de ligações com militares ucranianos ou grupos nacionalistas, foram detidos em regiões controladas pela Rússia, inclusive no centro de detenção em Olenivka, onde pelo menos 50 detidos ucranianos morreram numa explosão ocorrida em 29 de julho.
"As forças russas e afiliadas à Rússia nas áreas que ocupam devem garantir que os civis possam sair com segurança para o território controlado pela Ucrânia, se assim o desejarem", destacou.
"Estes devem parar de pressionar os cidadãos ucranianos a irem para a Rússia e facilitar o retorno à Ucrânia daqueles que desejam fazê-lo", advertiu ainda.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de quase 13 milhões de pessoas -- mais de seis milhões de deslocados internos e quase sete milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A ONU apresentou como confirmadas mais de 5.600 vítimas civis mortas, sublinhando que este número está muito aquém dos valores reais. Transferência forçada de civis ucranianos para Rússia é "crime de guerra"
Moscovo está a transferir à força civis ucranianos, incluindo os que fogem do conflito, para a Rússia ou áreas ocupadas pelos russos na Ucrânia, ações que constituem "crimes de guerra", refere um relatório divulgado hoje pela Human Rights Watch.
"As transferências são uma grave violação das leis de guerra, que constituem crimes de guerra e potenciais crimes contra a humanidade", destaca a organização não governamental (ONG) em comunicado.
A Human Rights Watch (HRW) aponta ainda que as autoridades russas ou ligadas a Moscovo também submeteram milhares de cidadãos a uma forma de triagem de segurança coerciva, punitiva e abusiva chamada "filtragem".
Num relatório de 71 páginas, esta ONG documentou as transferências de civis ucranianos através de entrevistas a 54 pessoas que foram para a Rússia, passaram por "filtragens", tiveram familiares ou amigos que foram transferidos para a Rússia ou que apoiaram ucranianos que tentaram deixar a Rússia.
Em 5 de julho, a HRW escreveu ao governo russo com um resumo das suas descobertas e com questões, mas não recebeu resposta.
Embora o número total de civis ucranianos transferidos para a Rússia permaneça incerto, Belkis Wille, investigadora sénior de crises e conflitos da HRW e coautora do relatório, contou à agência Lusa que alguns entrevistados referiram que estiveram em processos de "filtragem" com milhares de outros.
"Um homem disse que estava na fila de espera e era o número 60.000 e teve de esperar cerca de um mês pela sua vez. É difícil ter números, pois apenas temos acessos aos divulgados pela Rússia e é difícil saber quantos desses foram transferências forçadas", explicou.
Para Belkis Wille, os civis ucranianos "não devem ficar sem escolha a não ser ir para a Rússia" e "ninguém deve ser forçado a passar por um processo de triagem abusivo para alcançar a segurança".
No final de julho, a agência de notícias russa TASS divulgou que mais de 2,8 milhões de ucranianos entraram na Federação Russa vindos da Ucrânia, incluindo 448.000 crianças.
"Muitos foram deslocados e transportados de uma maneira e contexto que os tornam transferências forçadas ilegais", salienta esta ONG em comunicado.
Outros ucranianos referiram à ONG que foram para a Rússia voluntariamente, incluindo homens que evitam a lei marcial da Ucrânia, que, com poucas exceções, não permite que homens entre os 18 e 60 anos deixem o país.