ONU alerta para "risco iminente" de escassez de água a nível global

por Inês Moreira Santos - RTP
“Considerar a água como uma mercadoria ou uma oportunidade de negócio vai deixar para trás os que não podem aceder ou pagar os preços de mercado” Esam Omran Al-Fetori - Reuters

No Dia Mundial da Água, as Nações Unidas alertam para o "risco iminente" de uma crise global de escassez deste bem, devido ao consumo excessivo e às mudanças climáticas. Na Conferência da Água de 2023, que começa esta quarta-feira em Nova Iorque, a ONU pretende alcançar compromissos mundiais para mudar o paradigma de gestão.

“A água inicia guerras, apaga incêndios e é fundamental para a sobrevivência humana, mas garantir o acesso para todos depende em grande parte da melhoria da cooperação”, de acordo com um novo relatório da ONU publicado na terça-feira.

O Relatório Mundial de Desenvolvimento da Água, que destaca as formas que os atores têm para superar juntos os desafios comuns, alerta para o “caminho perigoso” que as populações estão a seguir, “de excesso de consumo e desenvolvimento vampírico”. A nível global, cerca de dois mil milhões de pessoas não têm água potável de qualidade e 3,6 mil milhões não têm acesso a saneamento, revela o documento.
A ONU conclui, neste novo relatório, que a população urbana global já enfrenta escassez de água e irá duplicar, segundo as estimativas. Além disso, a cada vez mais frequente “incidência de secas extremas e prolongadas” também está a afetar os ecossistemas. Por isso, é urgente “estabelecer mecanismos internacionais fortes para evitar que a crise global da água saia de controlo”, frisa no relatório a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay.

“A água é o nosso futuro comum e é essencial agirmos juntos para a partilharmos equitativamente e a gerirmos de forma sustentável”, acrescenta a coautora do documento.
"Guerras pela água"

Em conferência de imprensa, Richard Connor afirmou que "as incertezas estão a aumentar", no que diz respeito à sustentabilidade da água.

"Se não resolvermos isto, vai haver definitivamente uma crise global", disse o editor do relatório, referindo-se à crescente escassez que se reflete na redução da disponibilidade e o aumento da procura, desde o crescimento urbano e industrial até à agricultura (que consome 70 por cento da produção mundial).

Nesse sentido, é importante construir parcerias e é fundamental haver cooperação "para garantir o direito humano à água e superar os desafios existentes".

De acordo com Connor, "a escassez económica de água é um grande problema, na qual os governos falham a fornecer acesso seguro, como em África".

E sobre uma potencial "crise global" e a possíveis "guerras pela água", o responsável da ONU garantiu que este recursos natural é essencial à vida e "tende a conduzir à paz e à cooperação, e não a conflitos".

A cooperação transfronteiriça é a "principal ferramenta para evitar conflitos e tensões crescentes", uma vez que 153 países partilham quase 900 rios, lagos e sistemas aquíferos, e mais da metade desses assinou acordos de cooperação.

No relatório, os autores indicam formas de acelerar o progresso para alcançar as metas para 2030, referindo que depende do "aprimoramento da cooperação positiva e significativa entre comunidades de água, saneamento e desenvolvimento mais amplo".

“A cooperação é o coração do desenvolvimento sustentável e a água é um conector imensamente poderoso”, disse Johannes Cullmann, assessor científico da Organização Meteorológica Mundial, no relatório.

“Não devemos negociar a água; devemos debater sobre como a usar. Porque a água é um direito humano".
Água não é mercadoria

De acordo com os especialistas independentes da ONU, que realizaram o novo relatório, a água tem de ser "gerida como um bem comum, não como uma mercadoria".

“Considerar a água como uma mercadoria ou uma oportunidade de negócio vai deixar para trás os que não podem aceder ou pagar os preços de mercado”, justificam, acrescentando que só se podem alcançar os compromissos estabalecidos de forma eficaz se as comunidades e os direitos humanos estiverem no centro das discussões.

“É hora de parar com a abordagem tecnocrática da água e considerar as ideias, conhecimentos e soluções dos povos indígenas e comunidades locais que conhecem os ecossistemas aquáticos locais para garantir a sustentabilidade da agenda da água”.


A mercantilização da água “vai inviabilizar a realização dos compromissos e dificultar os esforços para resolver a crise global da água”.


De acordo com informação divulgada pela ONU, pelo menos 12 chefes de Estado e de Governo, cerca de 80 ministros e altos funcionários governamentais e mais de 6.500 representantes da sociedade civil vão participar na conferência, que começa esta quarta-feira e decorre até sexta-feira com o tema "Água para o Desenvolvimento Sustentável".

O encontro pretende definir uma nova Agenda de Ação para a Água, no quadro dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, especificamente no que diz respeito ao Objetivo 6, sobre água potável e saneamento.

Segundo António Gueterres, "a Conferência da Água da ONU de 2023 em março deve resultar numa ousada Agenda de Ação pela Água que dê à força vital do nosso mundo o compromisso que ela merece".

O secretário-geral das Nações Unidas considera a este recurso natural "um negociador para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e para a saúde e prosperidade das pessoas e do planeta".

"O nosso progresso nos objetivos e metas relacionados à água permanece alarmantemente fora do caminho, colocando em risco toda a agenda de desenvolvimento sustentável".

Segundo a ONU, são urgentes compromissos e ações em áreas que vão desde a proteção dos aquíferos, o combate à poluição, o abastecimento de água potável ou a integração das políticas hídricas com as políticas climáticas.

Ao contrário de outras conferências das Nações Unidas, na conferência da Água os países não irão negociar um grande acordo global, mas tentar alcançar compromissos voluntários concretos de Governos, empresas e outros atores.
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