A segurança no leste da República Democrática do Congo (RDCongo) deteriorou-se ainda mais desde o final das eleições, com o Movimento 23 de Março (M23) a expandir o seu território para níveis "sem precedentes", alertou hoje a ONU.
Num `briefing` ao Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU), a líder da Missão de Estabilização da ONU na RDCongo (Monusco), Bintou Keita, descreveu os desenvolvimentos recentes no país, com especial foco na deterioração da situação de segurança após o período eleitoral, em dezembro passado.
De acordo com Keita, os avanços significativos por parte dos rebeldes do M23 culminaram numa situação humanitária "ainda mais desastrosa", com o deslocamento interno a "atingir números sem paralelo".
Lançando "um grito de alarme face à catástrofe que se desenrola diante dos nossos olhos", Keita chamou a atenção do Conselho de Segurança para os mais de 7,1 milhões de pessoas deslocadas internamente, um aumento de 800.000 desde a sua última atualização, há cerca de três meses.
"Cerca de 23,4 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar, o que significa que um em cada quatro congoleses enfrenta fome e desnutrição, tornando a RDCongo o país mais afetado pela insegurança alimentar", lamentou.
Como a Força Regional da Comunidade da África Oriental se retirou completamente no início de janeiro, o M23 conseguiu ocupar todas as antigas posições dessa força, permitindo-lhe posteriormente deslocar-se mais para sul, para cercar Sake e Goma.
Nesse sentido, a cidade e os arredores de Goma enfrentam vagas enormes de pessoas deslocadas internamente.
No final do mês passado, segundo a líder da Monusco, pelo menos 104 locais de deslocamento foram registados só em torno de Goma, acolhendo mais de 630 mil pessoas.
Os casos de violência baseada no género e de exploração sexual também atingiram novos recordes. Só em janeiro, foram notificados 10.400 casos de violência baseada no género em todo o país, um aumento muito superior face aos registados em anos anteriores, assinalou Keita.
"Embora a crise do M23 receba grande atenção, devemos também destacar as atrocidades cometidas pelas Forças Democráticas Aliadas (ADF) e as suas consequências desastrosas para as populações civis, especialmente na fronteira entre Kivu do Norte e Ituri", frisou a representante da ONU.
Quase 200 pessoas foram mortas nessas regiões desde o início do ano. Em Ituri, a insegurança continua dramática, alimentada em particular pelos abusos cometidos por várias milícias.
Embora a catástrofe humanitária em curso exija respostas adequadas da comunidade internacional, Bintou Keita lamentou o facto de que, no mês passado, o plano de resposta humanitária do país para 2023 continuava "significativamente subfinanciado", angariando apenas 40% dos 2,25 mil milhões de dólares (2,08 mil milhões de euros) necessários.
Isto representa uma "queda acentuada" face a 2022 e "não é um bom presságio" para o Plano de Resposta Humanitária de 2024, lançado com o objetivo de angariar 2,6 mil milhões de dólares (2,40 mil milhões de euros) e que só está financiado em apenas 14,2% até agora, observou a chefe da Monusco, reiterando o apelo urgente aos doadores para que forneçam recursos necessários para garantir que a assistência humanitária aos mais necessitados.
"Tal como este Conselho tem reiterado regularmente, (...) todas as forças estrangeiras que operam ilegalmente no território da RDCongo têm de se retirar, e os grupos armados nacionais e estrangeiros, como as ADF e as Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR) têm de se desarmadas", apelou Keita, elogiando ainda os esforços atualmente empreendidos pelo Presidente angolano, João Lourenço, por ajudar a traçar um caminho para a desescalada desta crise.
Desde 1998, o leste da RDCongo está mergulhado num conflito alimentado por milícias rebeldes e pelo exército, apesar da presença da Monusco, que tem cerca de 16.300 militares no terreno.