ONG apelam a redes hoteleiras para não "limparem" abusos chineses contra uigures

por Inês Moreira Santos - RTP
Pedro Pardo - AFP

Esta semana foi revelado que uma empresa estatal chinesa, já sancionada pelos Estados Unidos por permitir abusos dos direitos humanos contra uigures, está a treinar forças de segurança para técnicas de hacking. Entretanto, um relatório de uma organização não-governamental denunciou que perto de 200 hotéis estão a projetar abrir em Xinjiang, apesar dos apelos dos grupos de direitos humanos para que as empresas internacionais não ajudem a "limpar" os abusos do Governo chinês na região.

O relatório do Projeto de Direitos Humanos Uigur (UHRP) identificou 115 hotéis a funcionar que, segundo a organização, " beneficiam com a presença na região uigur". Pelo menos outros 74 estão em construção ou em planeamento, segundo o relatório. De acordo com o mesmo documento, algumas das cadeias de hotel também tinham exposição ou vínculos com programas de trabalho forçado e transferência de mão de obra.

O aumento do número de hotéis na região coincide com os esforços do Governo chinês para promover Xinjiang como destino turístico, após anos de críticas e de sanções pela repressão à população muçulmana local.

Só em 2024, Xinjiang teve cerca de 300 milhões de visitantes, segundo os media estatais, incluindo quase cinco milhões de turistas estrangeiros – 50 por cento a mais do que em 2023.

Nos últimos anos, vários governos mundiais e grupos jurídicos condenaram as ações do governo chinês contra os uigures e outras minorias étnicas, classificando-as como um genocídio. Mas o tema não foi condenado por nenhum tribunal internacional.

As Nações Unidas e a Human Rights Watch consideram que as políticas da China em Xinjiang podem ser consideradas crimes contra a humanidade, incluindo o internamento e reeducação em massa, o trabalho forçado e a criminalização de atos de expressão religiosa. Acusações de abuso e maus-tratos em Xinjiang que a China continua a negar.

Recentemente, grupos de direitos humanos denunciaram a presença de empresas estrangeiras em Xinjiang, alegando que estas dão legitimidade à repressão do governo chinês e apelando à saída das empresas. A fabricante de veículos Volkswagen vendeu a fábrica em Xinjiang, em novembro passado, após anos de pressão.

No entanto, à medida que Pequim promove Xinjiang como destino de férias para turistas nacionais e internacionais, os holofotes voltaram-se para as empresas estrangeiras ligadas ao turismo, que promovem pacotes de férias na região e pretendem expandir negócios no território onde a China é acusada de promover limpeza étnica de uma minoria muçulmana.

“Este tipo de expansão hoteleira, principalmente de redes internacionais, enquadra-se perfeitamente na estratégia do próprio governo chinês de tentar normalizar a compreensão do público sobre o que está a acontecer na região uigur”,
comentou no relatório Peter Irwin, responsável pela investigação.
“O Governo pode apontar o facto de estas grandes empresas estarem a expandir-se na região como prova de que tudo está normal, apesar das inúmeras provas do contrário”.

Na opinião do responsável, citado o documento, “construir um hotel no local de uma mesquita demolida é particularmente escandaloso, visto que o governo chinês promove uma ampla campanha para demolir mesquitas em toda a região uigur desde 2017”.

O mesmo relatório identificou vínculos entre o hotel Grand Mercure Urumqi Hualing, da Accor, e um programa de estágio e emprego, que terá como público-alvo jovens e trabalhadores rurais excedentes de minorias étnicas, como parte das metas governamentais de redução da pobreza e "estabilidade social". O governo, por seu lado, afirma que os programas de empregabilidade em Xinjiang fazem parte dos esforços de "redução da pobreza", mas as organizações acusam Pequim e as citadas empresas de trabalho forçado e programas de transferência de mão-de-obra que violam os direitos humanos.
“Estes hotéis continuam a operar e expandir negócios numa região na qual famílias uigures foram dilaceradas por detenções, programas de trabalho forçado e desaparecimentos forçados”, disse o Henryk Szadziewski, coautor do relatório e diretor da investigação do UHRP.

O relatório solicitou que as redes hoteleiras iniciassem "análises imediatas" às próprias operações, visto que todas se comprometeram a adotar padrões internacionais de direitos humanos. E instou-as a suspender os planos de expansão, interromper as operações e a romper os laços comerciais.
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