"Dispararam como chuva". Arábia Saudita acusada de mortes em massa de migrantes etíopes
Um relatório da organização não-governamental Human Rights Watch (HRW), publicado esta segunda-feira, detalha alegados ataques contra migrantes na fronteira da Arábia Saudita com o Iémen. Segundo o documento, os guardas fronteiriços sauditas mataram, em pouco mais de um ano, centenas de migrantes da Etiópia.
Os guardas fronteiriços sauditas estão a ser acusados de matar centenas de migrantes, a maioria etíopes, usando armas explosivas e armas pequenas.
No relatório da HRW, intitulado “They fired on us like rain” (“Eles dispararam contra nós como chuva”), conclui-se que "os guardas fronteiriços sauditas utilizaram armas explosivas para matar muitos migrantes e dispararam sobre outros à queima-roupa, incluindo muitas mulheres e crianças, num padrão de ataques generalizado e sistemático".Em alguns casos, segundo o relatório, “os guardas fronteiriços sauditas perguntaram aos migrantes em que membro deviam disparar e depois dispararam sobre estes à queima-roupa".
No total, a HRW estima que "os guardas fronteiriços sauditas mataram pelo menos centenas de requerentes de asilo e migrantes etíopes que tentaram atravessar a fronteira entre o Iémen e a Arábia Saudita entre março de 2022 e junho de 2023". Os migrantes procuram atravessar o Iémen devastado pela guerra para chegar à Arábia Saudita.
Algumas das pessoas que viajavam em grupos descreveram ter sido atacadas pelos guardas fronteiriços sauditas, munidos de espingardas e de outras armas explosivas, assim que cruzaram a fronteira. Outras afirmaram que foram espancadas por guardas com pedras e barras de metal. Mais de uma dezena de entrevistados testemunharam ou foram alvo de disparos à queima-roupa e seis foram atingidos tanto por armas explosivas como por disparos.
Algumas das testemunhas disseram que os guardas sauditas às vezes os mantinham em centros de detenção, em alguns casos durante meses, e os espancavam.
"Um rapaz de 17 anos afirmou que os guardas fronteiriços o obrigaram, juntamente com outros sobreviventes, a violar duas raparigas, também elas sobreviventes, depois de os guardas terem executado outro migrante que se recusou fazê-lo", refere o documento.
Todas descrevem um cenário de terror: vários corpos de mulheres, homens e crianças no chão, gravemente feridos, já mortos ou desmembrados.
“Vi pessoas mortas de uma maneira que nunca imaginei”, disse Hamdiya, uma menina de 14 anos que cruzou a fronteira com um grupo de 60 pessoas em fevereiro, citada pelo relatório. “Vi 30 pessoas mortas no local”, afirmou.
A principal investigadora do relatório da HRW, Nadia Hardman, descreveu as descobertas como “obscenas”.
“Eu cubro a violência nas fronteiras, mas nunca encontrei algo desta natureza, o uso de armas explosivas, inclusive contra mulheres e crianças”, disse Hardman.
Arábia Saudita rejeita acusações
As autoridades sauditas responderam ao relatório da HRW no passado sábado, rejeitando veementemente as acusações de assassinatos sistemáticos ou em grande escala.
"Com base nas informações limitadas fornecidas, as autoridades do Reino não descobriram nenhuma informação ou prova para confirmar ou sustentar as alegações", respondeu o Governo saudita numa carta enviada à ONG.
Cerca de 750 mil etíopes vivem e trabalham na Arábia Saudita e, "embora muitos migrem por razões económicas, outros fugiram devido a graves violações dos direitos humanos na Etiópia, nomeadamente durante o recente e brutal conflito armado no norte do país", salientou a ONG.
c/ agências