O opositor do regime russo Alexei Navalny está desaparecido há duas semanas. O dissidente não compareceu a uma audiência judicial e os seus apoiantes não obtêm resposta das prisões russas.
Os apoiantes do opositor russo estão convencidos de que este “foi transferido para uma prisão, mas é uma mera suposição, não temos uma confirmação oficial”. “Dia 6 de dezembro foi o último dia em que os advogados o viram na colónia, na região de Vladimir, e desde então desapareceu literalmente. Estamos a contactar todas as prisões e colónia de regime especial que existem na Rússia – há mais de 200, no total – para obter uma resposta sobre se o Alexei lá está ou não, mas até agora não soubemos nada”, explicou Kira Yarmysh.
Os apoiantes de Navalny, que foi preso em 2021 depois de ter sobrevivido a uma tentativa de assassínio por envenenamento, que atribui ao Kremlin, alertaram para o desaparecimento do opositor no início deste mês, quando foi visto pela última vez.
ONU alarmada com “desaparecimento forçado”
Na passada segunda-feira, uma especialista da ONU em Direitos Humanos expressou a preocupação com o “desaparecimento forçado” do líder da oposição russa e exigiu a Moscovo que libertasse Navalny imediatamente.
"Estou muito preocupada com o facto de as autoridades russas não revelarem o paradeiro e o estado de saúde de Navalny durante um período tão longo, o que equivale a um desaparecimento forçado", lamentou Mariana Katzarova, relatora especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos na Rússia.Em comunicado, Mariana Katzarova, declarou ter informado as autoridades russas das suas preocupações.
Katzarova considera que as acusações de extremismo são "infundadas" e sublinhou que os prisioneiros correm o risco de sofrer graves violações dos seus direitos durante o transporte.
A perita independente, nomeada pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, mas que não fala em nome da ONU, sublinhou que "o termo extremismo não tem qualquer fundamento no Direito Internacional".
"Quando isso leva a uma ação judicial, constitui uma violação dos Direitos Humanos", acrescentou, denunciando a "perseguição criminal implacável de Navalny".
Para Katzarova, "Navalny e todos os detidos arbitrariamente devem ser libertados imediatamente e receber reparações por todos os danos que sofreram".
Segundo a especialista da ONU, “Navalny foi persistentemente maltratado em detenção desde janeiro de 2021 e privado de acesso a cuidados médicos adequados, o que prejudicou sua saúde e colocou sua vida em risco”.Audiências de Navalny adiadas para janeiro
O tribunal da região de Vladimir, a leste de Moscovo, onde Alexei Navalny se encontrava detido até às últimas informações disponíveis, declarou no início da semana que “duas audiências (…) foram adiadas” devido à “impossibilidade” de o ativista “assegurar a sua participação”, informou a agência de notícias RIA Novosti.As duas audiências agendadas para 18 de dezembro foram adiadas para 11 e 16 de janeiro, revelaram arquivos da página de internet do tribunal da região de Vladimir, a cerca de 250 quilómetros a leste de Moscovo.
O serviço prisional russo tinha relevado, três dias antes, que Navalny tinha sido transferido para um outro estabelecimento prisional noutra parte do país.
Os apoiantes do opositor do regime de Putin revelaram que a transferência ocorreu a 11 de dezembro e que a família não tem notícias de Alexei desde 6 de dezembro.
“Alexei devia ter estado em tribunal hoje (18 de dezembro”, escreveu Kira Yarmysh na rede social X. “Ele nem sequer esteve presente através de videoconferência”.
Where is Alexei Navalny, and why has he disappeared? https://t.co/IFufWXLO9D
— Кира Ярмыш (@Kira_Yarmysh) December 15, 2023
“Os processos foram suspensos até que o paradeiro de Navalny seja conhecido”, acrescentou.
Os apoiantes de Navalny temem que a transferência tenha sido para um estabelecimento com “regime especial”, unidades prisionais com condições mais duras e que normalmente são reservadas aos presos com penas perpétuas ou aos classificados como mais perigosas. As transferências de uma colónia prisional para outra na Rússia demoram frequentemente várias semanas de viagem de comboio com escalas, e as famílias dos prisioneiros ficam sem notícias durante este período.
Segundo o diário russo Kommersant, o tribunal que examinou a queixa de Alexei Navalny contra a administração da sua prisão na região de Vladimir decidiu na sexta-feira que o dissidente tinha deixado o estabelecimento prisional onde estava detido "de acordo com o veredito do Tribunal da Cidade de Moscovo de 4 de agosto de 2023, que entrou em vigor".
O veredito condenou Alexei Navalny a 19 anos de prisão por "extremismo", que deverá passar numa colónia de "regime especial".
"A chegada de Navalny (à sua nova colónia) será notificada em conformidade com a legislação em vigor", afirma o documento lido em tribunal, acrescenta o Kommersant.
Alexei Navalny, de 47 anos, foi detido em janeiro de 2021 e tem cumprido a sua pena na região de Vladimir. Foi frequentemente colocado na solitária, em represálias por alegadas violações das regras da prisão.
O opositor do regime russo lançou uma série de desafios legais contra as condições de sua detenção, muitas vezes usando-os como oportunidades para ridicularizar os regulamentos da prisão e a forma como são aplicados.
No início de dezembro, as autoridades russas apresentaram novas acusações de "vandalismo" contra o carismático ativista anticorrupção, o que poderá acrescentar mais três anos à sua pena.Principal crítico de Putin
O irregular percurso político de Alexei Navalny, definido como o principal crítico do Kremlin e do presidente Vladimir Putin, permitiu-lhe alcançar notoriedade quando se concentrou no combate à corrupção nos círculos do poder. Ao contrário de muitos opositores, forçados ao exílio após as medidas repressivas da liderança do Kremlin após a designação de Vladimir Putin em 2000, Navalny decidiu permanecer em Moscovo com a mulher e os dois filhos. A avalanche de processos, penas de prisão, residência fixa ou multas, também aplicadas a muitos colaboradores, não o dissuadiram.
Considerado um bom orador e com carisma, foi descrito como ambicioso e autoritário. Mas os anos de ativismo terão alterado a sua atitude,
Em 2003, o jovem advogado juntou-se ao partido Iabloko, uma formação liberal da década de 1990 hoje quase extinta. Foi expulso em 2007, devido a fricções internas pelo poder e pelas suas posições consideradas nacionalistas e violentas.
Na década de 2000, e dirigente do pequeno grupo Narod (O Povo), participou na Marcha russa, um desfile que juntou todos os movimentos ultranacionalistas. Nos discursos públicos, atacou os imigrantes, os caucasianos, apoiou a intervenção militar russa na Geórgia em 2008 e afirmou-se defensor dos interesses do "povo russo".
Estas posições ostracizaram-no durante vários anos entre diversos dirigentes da oposição, incluindo em 2011 e 2021, quando se impõe durante as manifestações que denunciam fraudes eleitorais.
A viragem que surge após uma passagem, em 2010, pela Universidade Yale de New Haven (Estados Unidos). Navalny muda de posição e impõe-se nos protestos, ao considerar a Rússia Unida de Putin um partido de "escroques e ladrões", uma palavra de ordem que passa a dominar os protestos.
Este percurso permite-lhe afirmar-se como o líder da oposição, face a concorrentes com audiências muito reduzidas. Assim, prescinde de apresentar um programa político e centra-se em duas frentes: o combate à corrupção - uma prática já corrente na anterior Presidência de Boris Ieltsin - e a defesa de eleições livres e justas.
No início dos anos 2000, o jovem advogado e antigo conselheiro de um governador denuncia um blogue e depois uma página digital designada Rospil (abreviação que indica "pilhagem da Rússia") evasões fiscais, desvios de dinheiro, irregularidades financeiras.
Esta atividade permite-lhe revelar diversos escândalos (empresa Transneft, banco público VTB, Aeroflot) e a "pilhagem dos recursos e da riqueza nacional". Os inquéritos, bem documentados e que revelam corrupção massiva ao mais alto nível, inquietam o Kremlin.
Navalny decide elevar a fasquia ao fundar em 2011 o Fundo de Luta Contra a Corrupção (FBK), que se destaca de início numa investigação relacionada com Dmitri Medvedev, antigo presidente e primeiro-ministro e um delfim de Putin.
Nesta fase, começa a ser designado de "Julian Assange russo". Foi autorizado a apresentar-se às eleições municipais de Moscovo em 2013 (obtém uns significativos 27 por cento dos votos), mas impedido de concorrer às presidenciais de 2018, apesar de a campanha mobilizar 200 mil ativistas em cerca de 100 delegações por todo o país.
É neste período que emite um apelo ao "voto inteligente", ao pedir aos seus apoiantes para votarem nos candidatos da oposição parlamentar mais bem colocados para derrotarem o partido Rússia Unida de Putin.
O Partido Comunista da Federação da Rússia (KPRF) e os nacionalistas do Partido Liberal-Democrata da Rússia (LDPR) são os principais beneficiários desta estratégia.
Os vídeos do FBK totalizam mais de 140 milhões de visualizações no YouTube, com destaque para o filme-inquérito "O Palácio de Putin", com considerável impacto - e emitido já com Navanly detido - e com a sua conta de partilha de vídeos YouTube a garantir mais de quatro milhões de subscritores. O líder do Kremlin foi forçado a desmentir pessoalmente as alegações de corrupção inseridas na película.
A situação precipitou-se após o opositor ter acusado o presidente russo de ordenar o seu envenenamento com um agente neurotóxico do tipo Novitchok em agosto de 2020.
Após longa convalescença na Alemanha, regressou à Rússia em meados de janeiro de 2021, de imediato detido e condenado a dois anos e meio de prisão num caso de fraude ocorrido em 2014 e que denuncia como politicamente motivado. Um processo que originou importantes protestos em várias cidades da Rússia, e novas sanções ocidentais.
Detido na colónia penal IK-2 na região de Vladimir, o crítico do Kremlin anunciou em 31 de março de 2021 uma greve de fome em protesto contra as suas condições de detenção, acusando a administração penitenciária de lhe recusar cuidados de saúde e de "tortura" por privação do sono. Foi hospitalizado devido à deterioração do seu estado de saúde.
Em paralelo, o procurador russo pediu a um tribunal moscovita que diversas organizações do opositor - incluindo o FBK definido desde 2019 como um "agente estrangeiro" e as delegações regionais do opositor -, sejam declaradas "extremistas" e em consequência proibidas. Na Rússia, o seu nome entra na lista de "terroristas e extremistas".
Apesar de nunca ter constituído uma ameaça séria para o regime, pelo facto de a sua popularidade ainda ser limitada, Navalny permaneceu o último opositor de envergadura a Vladimir Putin.
No entanto, as manifestações de janeiro de 2021 organizadas pelos seus apoiantes acolheram 22 por cento de opiniões favoráveis, enquanto o Centro Levada, reputado pela independência das sondagens, indicava que a sua popularidade estagnava nos 20 por cento, longe dos 64 por cento de opiniões favoráveis ao Presidente russo.
Em 20 de outubro de 2021, o opositor recebe o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu.
Acusado e julgado por "fraude" e "desrespeito ao tribunal", é condenado em 22 de março de 2022 a nove anos de prisão e transferido para um estabelecimento prisional a 250 quilómetros a leste de Moscovo, de onde continuou a denunciar e criticar a invasão russa da Ucrânia.
c/ agências