Com o número de mortos e feridos a crescerem no balanço negro dos ataques das forças pró-Bashar al Assad na região síria de Ghouta Oriental, os habitantes enfrentam o cerco das tropas do regime apenas com uma ideia a atravessar cada minuto: “estamos à espera da nossa vez de morrer”. Apesar dos apelos das Nações Unidas para o fim das hostilidades, as forças terrestres do Presidente sírio estarão já a colocar-se para uma grande ofensiva terrestre no enclave dos rebeldes opositores ao regime, logo ali às portas de Damasco.
A situação das cerca de 400 mil pessoas que vivem em Ghouta Oriental – nas mãos dos rebeldes durante grande parte dos últimos sete anos de conflito, desde que em 2011 foi lançada a tentativa de deposição de Bashar al Assad – deteriorou-se particularmente a partir de Novembro, altura em que o regime de Assad intensificou os ataques contra a região.
De acordo com os dados das organizações no terreno, há três meses que os bombardeamentos são contínuos na região de Ghouta, que nunca foi poupada pelas forças do regime.
Em Agosto de 2013, foi alvo de um ataque com armas químicas, gás sarin, estando ainda por fazer o balanço de vítimas, na ordem das centenas, segundo umas fontes, havendo contudo estimativas que apontam paras as quase duas mil. A 22 de Janeiro último, Assad foi acusado de lançar novo ataque químico no enclave rebelde. Como há cinco anos, o regime voltou a negar o uso desse tipo de armas, proibidas pela Convenção de Genebra.
"Esperamos a nossa vez de morrer"
Perante um cenário em que o cerco aéreo é uma certeza diária e o cerco terrestre das tropas governamentais uma ideia cada vez mais concreta, os habitantes de Ghouta confrontam-se ainda com a fome e com toda a espécie de carências de bens essenciais à sobrevivência. Milhares de crianças (11,5% das crianças com idade inferior a cinco anos) sofrem de subnutrição aguda.“Quase toda a gente vive agora em abrigos. Chega a haver cinco e seis famílias numa casa. Não há comida, não há mercados onde comprar nada”
Foi neste clima de instabilidade – onde apenas lhes resta abrigarem-se nas caves das casas – que residentes do enclave confessaram aos repórteres da Reuters que nestas circunstâncias lhes restava esperar a sua vez de morrer.
“Estamos à espera da nossa vez de morrer. É a única coisa que posso dizer”, confessou Bilal Abu Salah, 22 anos, um residente de Douma, a maior cidade da região de Ghouta. A mulher está grávida de cinco meses e o casal teme que a violência dos bombardeamentos aéreos das forças de Assad venha a provocar um parto prematuro daquele que será o seu primeiro filho.
“Quase toda a gente vive agora em abrigos. Chega a haver cinco e seis famílias numa casa. Não há comida, não há mercados onde comprar seja o que for”, acrescentou Bilal. Desde Novembro, as organizações humanitárias apenas foram autorizadas a fazer um abastecimento à região e, ainda assim, altamente condicionado.
This is humanity at its worst.
— ICRC Syria (@ICRC_sy) 21 de fevereiro de 2018
We need access. Now. #Syriahttps://t.co/f5tfdT7ddj
Durante a tarde desta quarta-feia, relatam os repórteres da Reuters, um sistema de aviso contra ataques aéreos, operado pelo serviço de socorro Defesa Civil Síria, não parou de enviar alertas à população.
Espaçados por escassos minutos, os alertas foram sendo emitidos à medida que eram detectadas as descolagens dos aviões militares do regime a partir de bases militares nas proximidades. Os avisos são quase sempre deste tipo: “A hora prevista para a chegada do avião às partes mais bombardeadas de Ghouta Oriental:... Harasta: dois minutos a partir de agora”.
ONU apela ao fim dos ataques
Um dos retratos traçados pela comunidade internacional face ao cenário de horror vivido pela população civil de Ghouta foi traçado pelo próprio secretário-geral das Nações Unidas: “[Os residentes] estão a viver o inferno na Terra”, declarou António Guterres perante o Conselho de Segurança.
Guterres deixou um apelo à “imediata suspensão de toda a actividade bélica em Ghouta”.
As Nações Unidas denunciaram ainda os bombardeamentos contra cinco hospitais da região, na segunda-feira. O exército sírio defende-se dizendo que se tratou de ataques cirúrgicos em zonas usadas pelos rebeldes para lançar ataques com rockets contra a capital Damasco.Moscovo insiste numa reunião do Conselho de Segurança da ONU, esta quinta-feira, para debater a crise que se está a viver em Ghouta.
Ao final da noite, fontes militares de Moscovo fizeram saber que falhou uma tentativa de acordo com os rebeldes para acabar com as hostilidades de forma pacífica. As forças russas na região dizem que os opositores a Assad recusam depor as armas.
O contingente russo encarregado de monitorizar o cessar-fogo na Síria, controlado por militares enviados por Moscovo, acusa ainda os rebeldes de estarem a impedir os civis de abandonar a zona de conflito.