Planeta Terra, um ecossistema complexo onde milhões de seres vivos coabitam em “quase” perfeita harmonia. Quase, porque existe um que para viver necessita de explorar recursos naturais e criar subprodutos derivados, como o plástico. Estaremos, sem perceber, a plastificar o nosso planeta? Mas que produto tão válido e útil é este que é também um problema difícil de descartar?
Cerca de 70 por cento da superfície do nosso planeta é coberta por oceanos - um ecossistema que suporta grande variedade de habitats e biodiversidade.
Porém, com a evolução da indústria ao longo da história da humanidade, o meio marinho é utilizado extensivamente como um local onde os despojos de lixo doméstico e industrial são canalizados através dos rios ou mesmo de forma direta, provocando fortes impactos negativos nos ecossistemas e na economia.
Segundo estudos realizados pela comunidade científica que analisa este fenómeno global, são lançados anualmente nos oceanos cerca de oito milhões de toneladas de lixo plástico e seus derivados.
Uma quantidade que daria para cobrir 34 vezes toda a área da ilha norte americana de Manhattan, com uma camada de lixo à altura dos joelhos de uma pessoa.
Fibras sintéticas são micropartículas derivadas do plástico que estão um pouco por todo o material sintético como por exemplo roupa poliéster.
O estudo apresentado recentemente é considerado um dos melhores esforços para quantificar o plástico despejado, queimado ou arrastado para o mar.
Segundo os investigadores, a análise também pode ajudar a descobrir a quantidade total de plástico existente hoje no oceano – não apenas o material que é encontrado na superfície ou mesmo nas praias.
O que é o Pellet? Pellet é um granulado derivado do plástico depois da fragmentação. Encontramos muitos destes fragmentos nos detritos marinhos que dão à costa provenientes do lixo que se encontra no mar.
Estima-se que grandes quantidades de resíduos plásticos, cerca de 70 por cento, podem estar depositadas no fundo dos oceanos, muitos deles fragmentados em pedaços tão pequenos (pellet e fibras sintéticas) que não são captados pelas análises convencionais.
O problema agrava-se quando se lhe associa a questão das cadeias alimentares marinhas, que depois entram no sistema de consumo humano.
Estamos a plastificar o mar
O lixo marinho é todo o material “não orgânico” e duradouro que é descartado, eliminado ou abandonado na costa ou no mar.
Foto: Paula Sobral /DR /FCT-UNL
Trata-se de um problema global em constante crescimento e de uma ameaça direta para o ecossistema marinho, que atraiu uma maior atenção do mundo, após a descoberta de uma grande “ilha de lixo” (garbage patch) no Giro do Pacífico Norte.
Esta questão ambiental não existe apenas no Pacifico Norte, porque segundo estudos e análises feitas por investigadores e cientistas ligados à vida marinha, já foram identificadas pelo menos cinco ”ilhas” de detritos no mar nos designados giros marinhos ou oceânicos: dois no Pacifico, dois no Atlântico e um no Índico.
Um giro marinho ou oceânico é um sistema de correntes marinhas rotativas, particularmente as que estão relacionadas com os grandes movimentos do vento. Os giros são causados pelo efeito da força de Coriolis. O termo giro pode ser usado para referir-se a qualquer tipo de vórtice, tanto no ar como no mar, e inclusive para aqueles produzidos pelo homem, mas é mais comumente usado em oceanografia para referir-se aos maiores sistemas oceânicos.
Não é possível determinar com exactidão a área que ocupam estas “ilhas de lixo”, já que, como explica Paula Sobral, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL) os plásticos estão constantemente a fragmentar-se e os valores variam bastante. Estima-se, no entanto, que só 30 por cento destes detritos se encontram à superfície, estando a maior parte na coluna de água e no fundo dos oceanos.
Lia Vasconcelos, investigadora da FCT/UNL, alerta para o facto de, por estes aglomerados de lixo estarem “longe da vista”, estão também “longe da preocupação”. É por isso importante chamar a atenção das pessoas para esse problema.
Quais são as consequências?
O lixo que vemos nas nossas praias é apenas uma pequena percentagem de todo o lixo que existe nos oceanos (15 por cento). De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente (UNEP), 15 por cento do lixo marinho flutua à superfície ou está na coluna de água (a mais de 40 centímetros de profundidade). Os restantes 70 por cento estão nos fundos marinhos, fora da nossa vista.
O lixo marinho é constituído por uma grande diversidade de materiais, especialmente materiais que se degradam lentamente, o que torna a situação cada vez mais grave. Mesmo que deixássemos de produzir lixo hoje, os problemas associados ao lixo marinho permaneceriam durante muitos anos.
Paula Sobral explica que, apesar de ainda haver muito desconhecimento em relação aos impactos do plástico nos diferentes compartimentos do ecossistema, sublinha que há “vários relatos de casos de animais que ingerem microplásticos com consequências nefastas para os organismos”.
Ainda que não existam dados concretos que indiquem que há consequências negativas para o ser humano, a possibilidade de isso acontecer através da ingestão de organismos marinhos que filtrem o lixo que está no mar é grande.
Para além das possíveis consequências para a saúde, tem de se ter em conta também o impacto que o lixo marinho tem a um nível socioeconómico.
Cerca de 70 por cento de todo o lixo marinho é constituído por plásticos. Os restantes 30 correspondem a outros materiais como vidro, papel, metal, têxteis entre outros.
Existem, contudo, diferenças significativas entre regiões no tipo e quantidade de lixo que entra no mar, que normalmente estão associadas a fatores socioeconómicos como o urbanismo, turismo e atividades de pesca.
Praias em Portugal estão cheias de microplásticos
As praias nacionais estão sujas apesar do trabalho de limpeza que muitas autarquias e concessionários fazem para eliminar este problema.
Mas será que apesar de as praias serem e parecerem limpas, estão mesmo isentas de lixo? A resposta é “não”. Isto porque muitos dos produtos estão já incorporados e dissimulados nas areias balneares, como por exemplo os “microplásticos”.
Fotos: Paula Sobral /DR /FCT-UNL
Segundo um trabalho académico elaborado para uma dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Engenharia do Ambiente, Perfil Engenharia, por Joana Veiga Ferreira Martins em 2011, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT/UNL), muitas das praias analisadas por esta académica estão contaminadas com vários tipos de lixo e com especial destaque para a questão dos microplásticos.
Neste trabalho académico com o título “Caracterização de Resíduos Plásticos na Costa Portuguesa – será um Microproblema?”, é referido que “a poluição marinha por resíduos plásticos constitui um enorme desafio à integridade dos oceanos, a uma escala global”.
O estudo revela que devido à elevada persistência do material plástico, bem como às medíocres estratégias de gestão do ciclo de vida e consequente elevado volume de resíduos descartados que entra nas massas de água, se promove a acumulação de lixos “não biodegradáveis” ao longo dos rios, mares e oceanos e linhas de costa.
Neste trabalho foi feita uma monitorização em algumas praias nacionais e a análise do plástico recolhido denota evidências preocupantes: efeitos físicos e ecotoxicológicos na fauna marinha, resultantes da ingestão de plásticos devido à absorção de poluentes orgânicos persistentes (POP) e outros compostos químicos, bem como o transporte de espécies invasoras e outros impactos económicos e sociais.
Fotos: Paula Sobral /DR/ FCT-UNL
Segundo Joana Martins da FCT/UNL, autora do estudo: “A costa portuguesa é vulnerável à acumulação de resíduos plásticos no mar e nas praias. Por conseguinte o estudo teve como objectivos: realizar um programa de amostragem e trabalho laboratorial para identificar as principais categorias de plásticos acumulados (micro a macro-dimensões) em praias específicas, e determinar concentrações de POP em pellet e avaliar o estado da costa”.
O estudo efetuado em dez praias nacionais veio a revelar diferentes amostras de sedimentos plásticos entre muitos, material pertencente a redes de pesca, vasilhames plásticos, derivados múltiplos e microplásticos.
De entre as amostras recolhidas, cerca 90 por cento do total eram pellets plásticos, poliestireno e fragmentos plásticos com tamanhos entre 50 µm e 20 cm, e quanto mais pequenas as partículas, maior a abundância (90 por cento destas com diâmetro inferior a 10 mm), devido aos processos de degradação promovidos pelo tempo e pela ação erosiva do mar.
Fotos: Paula Sobral /DR / FCT-UNL
Destaca-se neste trabalho que entre o lixo plástico a categoria mais encontrada na maioria das praias em estudo foi o plástico de pós-produção, correspondendo a 67 por cento do total, muito representado pela classe de poliestireno com 37 por cento e fragmentos plásticos 18 por cento, sendo o restante lixo plástico (33 por cento do total) correspondente a plástico de pré-consumo, mais precisamente pellet.
Segundo a autora do estudo, Joana Martins, “os resultados comprovam que os resíduos plásticos na costa portuguesa são um problema particularmente nas dimensões mais pequenas, considerado o facto de 72 por cento do plástico amostrado nas praias (identificado visualmente) ter dimensões correspondentes às de microplásticos, para além da grande quantidade detectada ao microscópio. Contudo, não é um microproblema na perspectiva de ser um problema pequeno, mas ser sim um problema de grande dimensão disseminado pela costa portuguesa”.
Este estudo, apesar de ser um trabalho académico e sem resultados diretos práticos no terreno, foi inovador, no sentido em que, face a um conhecimento deficitário do estado da costa portuguesa no que diz respeito a este tipo de poluição, apresentou uma perspetiva do atual problema, recorrendo a metodologias simples mas eficazes.
China e países emergentes no topo da lista dos mais poluidores
Já em 2010 os detalhes divulgados no encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência eram alarmantes.
Vários especialistas analisaram dados populacionais com informações sobre a quantidade de lixo gerado e gerenciado (ou não gerenciado) tendo elaborado alguns cenários da quantidade de plástico despejado nos oceanos.
Dados referentes ao ano de 2010, colocavam cenários de produção de lixo a variar entre os 4,8 milhões a 12,7 milhões de toneladas, situando-se a média nos oito milhões de toneladas.
Este cenário equivale, em termos de massa, à quantidade de atum pescado anualmente nos oceanos.
Segundo Kara Lavender Law, coautora da pesquisa e porta-voz da Associação Educacional do Mar de Woods Hole, no Estado norte-americano de Massachussetts, "isto significa que estamos a tirar o atum do mar e a colocar plástico no seu lugar".
Os investigadores também fizeram uma lista dos países com maior responsabilidade na produção e despejo destes resíduos e concluíram que no mundo 20 nações são responsáveis por 83 por cento do plástico mal armazenado ou reciclado que pode entrar nos oceanos.
A China ocupa o topo da lista, produzindo mais de um milhão de toneladas. Mas os estudos salvaguardam esta produção com o índice populacional e a extensão da sua costa.
Os Estados Unidos ocupam o 20.º lugar na lista; apesar de registarem altos níveis de consumo de plástico per capita, fazem uma boa gestão destes resíduos.
A União Europeia é analisada em bloco e ocupa o 18.º lugar.
Soluções existem mas têm de ser encontradas a montante
O estudo recomenda algumas soluções para o problema. Afirma que as nações ricas precisam de reduzir o seu consumo de produtos descartáveis e embalagens de plástico, à imagem do que se passa em Portugal, com a implementação de medidas dissuasoras ao consumo deste tipo de embalagens. Já nos países em desenvolvimento, a solução passa por melhor informação e melhoramento no tratamento do lixo.
A equipa de investigadores internacionais estima que a quantidade de plástico anualmente lançada ou enviada inadvertidamente nos mares pode alcançar 17,5 milhões de toneladas até 2025. Este valor pode significar cerca de 155 milhões de toneladas de lixo plástico nos nossos oceanos.
A resolução de uma questão ambiental como esta tem sempre de passar pelos vários atores no terreno, quer indústria, quer população, quer medidas governamentais. O problema é transversal e terá sempre melhores resultados se o trabalho for feito a montante, como explica Paula Sobral.
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Projeto Marlisco
O Projeto MARLISCO (Marine Litter in European Seas: Social Awareness and CO-Responsibility) é um projeto europeu financiado pela Comissão Europeia e pretende aumentar a consciência social sobre os impactos do lixo marinho e possíveis soluções para o problema, de forma a inspirar mudanças de atitude e comportamento na sociedade.
Este programa, que conta com a participação da FCT/UNL, quer envolver todos os setores relacionados direta ou indiretamente com o lixo marinho, nomeadamente os utilizadores de águas costeiras e marinhas, setor de gestão de resíduos e reciclagem, setor industrial, comissões regionais do mar e representantes da União Europeia, comunidade científica, municípios locais, grupos de cidadãos, organizações não-governamentais de ambiente, alunos e público em geral.
Até agora tem conseguido a participação de alguns elementos ligados ao desporto náutico (surf) que tem interagido com algumas comunidades piscatórias do litoral nacional, com resultados muito positivos a nível de sensibilização para as práticas de utilização de material nocivo ao ambiente marinho.
Ideias para salvar o mar
As ideias para limpar e salvar a fauna não faltam, mas a questão que se coloca é se resultam e são viáveis. Questão que não desencorajou um jovem de 20 anos, Boyan Slat, que fixou a si próprio uma missão ambiciosa - livrar os oceanos do planeta dos plásticos flutuantes.
Apesar da idade, nos últimos anos a sua técnica já convenceu entusiastas e patrocinadores dispostos a financiar os seus projetos.
A ideia de limpar o lixo marinho surgiu quando tinha 16 anos, em 2011, ao praticar mergulho na Grécia. Relata que viu mais sacos de plástico do que peixes.
E agora elaborou um sistema de recolha que consiste numa série de barreiras flutuantes, ancoradas no leito do mar, que primeiro capturam e concentram os detritos flutuantes. Depois, o plástico é canalizado ao longo das barreiras no sentido de uma plataforma, onde seria, então, extraído de forma eficiente.
Conferência dada por Boyan slat num encontro promotor de ciências TEDxDelft com o titulo : "Como é que podemos limpar os oceanos" em 2012
A corrente oceânica passaria por baixo das barreiras, levando toda a vida marinha flutuante com ela. Não haveria emissões nem redes para a vida marinha se enroscar. O plástico recolhido no oceano seria reciclado e transformado em produtos ou em óleo.
Este projeto já foi premiado como Melhor Projeto Técnico da Universidade de Tecnologia Delft, mas o que Slat não está a contar é que 70 por cento dos lixos plásticos já se encontram nos fundos oceânicos.
Maior porção dos lixos plásticos no fundo oceânico
Um dos primeiros raciocínios de quem está a ler este artigo poderá ser este: mas o plástico flutua e estas “ilhas” de lixo podem ser apanhadas com métodos criados para o efeito. Infelizmente não é bem assim. O pesquisador Roland Geyer, da Universidade da Califórnia, que também participou no estudo, disse à BBC que não é possível limpar o plástico dos oceanos.
Isto explica-se porque grande parte dos materiais plásticos já não se encontra à superfície.
"Como é que você recolheria o plástico do fundo dos oceanos considerando que a sua profundidade média é de 4,2 mil metros? Temos antes que evitar que o plástico chegue aos oceanos", afirma Geyer.
"A falta de sistemas de tratamento de lixo alimenta a entrada de plástico no oceano e a solução prioritária neste momento é ajudar todos os países a desenvolver estruturas de tratamento de produtos plásticos e seus derivados", disse.
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