Novo templo hindu alimenta febre nacionalista da Índia de Narendra Modi

por Graça Andrade Ramos - RTP
Primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, na inauguração do grande templo de Rama, Ram Mandir, em Ayodhya, a 22 de janeiro de 2024 Reuters

Milhões celebraram esta segunda-feira a inauguração em Ayodhya, no norte da Índia, de um grande templo dedicado a Rama, após mais de 30 anos de esforços e de promessas.

O primeiro-ministro, Narendra Modi, seria talvez o mais feliz entre os fiéis que assistiram presencialmente às cerimónias, incluindo estrelas de Bollywood e do mundo do críquete. Iniciou-se uma "nova era" para a Índia, afirmou.

"Um importante ritual de redespertar cultural", "símbolo da nova Índia que se irá erguer bem alto", "templo nacional da Índia" foram outros epítetos usados por responsáveis oficiais para descrever o templo.

"Disse-se e sabemo-lo, que hoje em Ayodhya, tal como o senhor Rama, a própria Índia regressou", disse Mohan Bhagwat, líder do Rashtriya Swayamsevak Sangh, RSS, que inspira todos os partidos nacionalistas hindus.

O novo templo, o Ram Janmabhoomi Mandir, ou simplesmente Ram Mandir, simboliza o sonho de Modi na criação daquilo que ele chama a "nova Índia" e deverá dar um novo impulso à sua campanha eleitoral para um terceiro mandato, assim como ao seu partido, o Bharatiya Janata Party, BJP, que beneficiou igualmente do movimento para construir o templo, nos anos 90 do século passado.

A oposição em peso boicotou as celebrações, arriscando uma penalização severa nas urnas nas eleições legislativas previstas para dentro de alguns meses. Também alguns videntes Hindus se demarcaram, criticando o aproveitamento político de Modi e o facto da consagração ocorrer quando o templo não está completo, podendo atrair má sorte.

A presença de Modi no centro da consagração apesar de nem ser um "líder religioso", foi igualmente motivo de censura. O grupo Hindus em Defesa dos Direitos-Humanos, considerou em comunicado que o primeiro-ministro "a apressar-se e a lidera-la ele próprio é a tentativa mais recente de tentar tornar o hinduismo uma arma em nome da ideologia nacionalista repressiva do BJP, antes das eleições nacionais em maio".

Para os detratores do primeiro-ministro, em vez de causa de celebração a consagração do Ram Mandir é causa de lamento e marca a conclusão de décadas de esforços para afastar a Índia do caminho da secularização inscrita na sua Constituição e proclamada logo após a independência do país, para o transformar numa nação hindu, a religião de 80 por cento da população.

Eles próprios sentem-se contudo incapazes de escapar à temática religiosa. Nos estados dominados pela oposição e que tentaram demarcar-se das celebrações, a influência hindu foi preponderante, com planos específicos a incluirem celebrações da deusa Kali em Kolkata, por exemplo, a par de manifestações de diversas fés. O estado de Orissa chamou peregrinos ao tempo de Jagannath em Puri, um dos locais mais sagrados do hinduísmo.

De forma geral, contudo, a atmosfera festiva foi partilhada em várias cidades, incluindo no Reino Unido e em Embaixadas da Índia no mundo inteiro. Algumas televisões, que transmitiram todos os momentos em ecrãs gigantes ao longo de rios e em praças, consideraram a consagração como o início do Ram Rajya, o governo de Rama, na Índia.

A inauguração do Ram Mandir foi transmitida em direto para todo o país, com as imagens a mostrarem o primeiro-ministro a cumprir rituais religiosos na área mais sagrada, o sanctum, ao lado de sacerdotes e de Mohan Bhagwat. Nos estados governados pelo BJP foi concedido um dia feriado, as escolas encerraram e o mercado de ações não funcionou.

Foram convocados para a cidade milhares de polícias, apesar do primeiro-ministro ter apelado os peregrinos a ficar em casa e a acompanhar as cerimónias pela televisão.
Tensão com muçulmanos
"A data de hoje ficará na história", afirmou Modi, depois do evento. "Ao fim de anos de esforços e de inúmeros sacrifícios, o senhor Rama chegou [a casa]. Quero saudar todos os cidadãos do país nesta ocasião histórica", acrescentou perante uma multidão estimada em sete mil pessoas e sem mencionar a comunidade muçulmana.

"Ram não é uma disputa, Ram é a solução", frisou Modi. "A partir de hoje, desde tempo sagrado, teremos de lançar as fundações dos próximos mil anos. Ao seguir em frente após a construção do templo, agora juramos todos pela construção de uma Índia nacional, capaz, bem-sucedida, bela e divina".

O templo poderá acicatar contudo as tensões entre hindus e muçulmanos, uma vez que o Ram Mandir veio substituir uma mesquita do século XVI, a Babri Masjid, destruída por turbas hindus em 1992. Mais de 2.000 pessoas morreram nos distúrbios que se seguiram.

Muito hindus acreditam que a mesquita havia sido erguida pelos invasores muçulmanos nas ruínas de um anterior templo hindu que celebrava o local de nascimento do deus Rama. Em 2019, o Supremo Tribunal resolveu uma longa disputa legal atribuindo a posse das terras à comunidade hindu. Noutro local, fora da cidade, deverá ser construída uma nova mesquita.

A comunidade muçulmana da Índia, a maior das minorias do país, vê o edifício agora inaugurado com raiva e medo simultâneos. Evoca memórias tristes e cristaliza receios quanto ao futuro.

"Não aceitamos a decisão de bom grado", reconheceu à BBC um muçulmano de Ayodhya. "Mas que podemos nós fazer". Outro felicitou os hindus pelo seu novo templo, acrescentando "também estamos tristes porque foi construído depois de destruírem uma mesquita".

Em Ayodhya moram cerca de três milhões de pessoas, incluindo 500 mil muçulmanos. Muitos recearam ser atacados e recomendaram uns aos outros manterem-se em casa esta segunda-feira, para evitar problemas.
O Pran Pratishtha
O Ram Mandir foi construído em arenito rosa sobre fundações de granito negro e custou quase 200 milhões de euros, em financiamentos e doações privadas. Uma imagem de Rama com quase 1,30 metros de altura, especialmente encomendada, foi revelada na semana passada, tendo sido colocada num pedestal de mármore no sanctum sanctorum, o santo dos santos.

Só o piso térreo foi inaugurado esta segunda-feira, os restantes dois pisos deverão estar completos até final do ano. Todo o projeto se insere na renovação urbana da cidade de Ayodhya, orçada em mais de 2.75 mil milhões de euros. As autoridades esperam cerca de 150 mil visitantes anuais por dia, quando o templo em Ayodhya estiver a funcionar em pleno, o que implica a construção e renovação de hotéis e de serviços.

Apesar de ser vendida como a construção de uma "cidade de nível mundial que as pessoas visitem como peregrinos e turistas", a renovação tem causado revolta local, com muitos residentes a queixarem-se que as suas casas, lojas e "estruturas de natureza religiosa" foram ou estão a ser destruídas total ou parcialmente, para dar lugar a estradas mais largas ou outros equipamentos.

A inauguração do Ram Mandir, designada Pran Pratishtha ou "implantação de força vital", durou cerca de uma hora. Para os hindus, entoar mantras e realizar determinados rituais em torno de chamas infunde de vida sagrada um ídolo ou uma fotografia de uma divindade.
 

As celebrações não se confinaram à Índia. Comunidades hindus do Reino Unido, um dos maiores grupos da diáspora, festejaram nos seus templos. E Times Square, na cidade de Nova Iorque, foi enfeitada com grandes cartazes de Rama, com algumas centenas de devotos a desafiarem durante a noite temperaturas glaciares para celebrar ao mesmo tempo em que decorria a consagração.
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