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Novo telescópio. NASA preocupada com possível ataque de piratas

Apesar de a missão ainda não ter sido lançada, a história do novo telescópio espacial da NASA - James Webb Space Telescope (JWST) - já dá para escrever um livro. Depois de várias peripécias, coloca-se agora a questão do transporte até ao local do lançamento, a Guiana Francesa. Uma discussão que deveria ser simples, mas não é. O JWST é enorme e não pode viajar nem por terra, nem pelo ar. A NASA teme que o navio que transportará o valioso equipamento até ao local de lançamento seja abordado por eventuais piratas.

Piratas do mar? Sim. No século XXI, eles existem, são mais astutos e dotados de tecnologia.

O tema surgiu durante uma reunião sobre o transporte do telescópio espacial da NASA até ao local de lançamento. O JWST vai ter de viajar de navio, desde Redondo Beach, local onde foi construído e embalado, pela Northrop Grumman, na Califórnia, descer junto à península californiana no Pacífico, costa mexicana, Guatemala, El Salvador, Nicarágua e Costa Rica, antes de chegar ao Panamá. Aqui terá de atravessar o canal artificial e só depois de contornar parte da costa do Equador e Venezuela. E só então chegará a bom porto na Guiana Francesa.

Infografismo: Sara Piteira - RTP
Alguns países por onde a embarcação vai passar representam riscos para a segurança da carga. Ainda assim, pode-se perguntar: a quem pode interessar um telescópio espacial do tamanho de um campo de ténis e com uma altura de um prédio de dois andares?

Christopher Conselice, astrofísico da Universidade de Manchester que participou na reunião destinada a delinear a rota de transporte,  foi um dos elementos que apresentou alguma perplexidade perante a palavra "piratas". Mas rapidamente ficou ilucidado.

A ideia de eventuais piratas não será certamente roubar o JWST  para o guardar em casa, mas sim pedir um resgate pelo engenho. Uma obra tecnológica que está avaliada em mais de dez mil milhões de euros.

Perante o dilema, o astrofísico publicou um tweet sobre a reunião e a resposta não se fez tardar por parte de outros cientistas, com piadas.


O comentário lúdico de Conselice trouxe, todavia, um desconforto ainda maior  Após 20 anos de trabalho e muitos problemas, seria de mau tom, na reta final, haver um problema deste género, refere o astrofísico.

Além do mais, existem outras circunstâncias, fora os "piratas", muito mais realistas que podem atrapalhar a missão. Para um projeto que passou por tanto, entre má gestão, erros técnicos, orçamentos largamente ultrapassados, uma pandemia e um forte atraso no cronograma, com data de lançamento prevista para 2007 (ano do primeiro iPhone), um cenário com "piratas" pode muito bem ser acrescentado à equação.

Um motivo mais do que válido para que a data de partida seja mantida em segredo.

Foto: NASA-Northropgrumman/DR
Um dos maiores tesouros espaciais

A data exata da partida do navio que levará o telescópio espacial não vai ser anunciada pela NASA, mas um porta-voz da agência espacial norte-americana deixou escapar que tal pode acontecer entre o final de julho e meados de agosto.

Como a carga é quase tão importante como o ouro escoltado pela cavalaria para o Forte Knox, o navio também vai contar com uma escolta por parte das forças militares dos Estados Unidos.

Uma preocupação que parece descabida, mas que não é totalmente infundada. Isto porque os telescópios são objetos estranhos, elaborados, caros e atraem a atenção.

Foto: NASA-Northropgrumman/DR

O JWST é particularmente atraente. Composto por 18 espelhos forrados a ouro e dispostos em forma de favo de mel, o instrumento científico será talvez a mais bonita joia no espaço.Os artífices do JWST
A NASA lidera uma parceria internacional que inclui a Agência Espacial Europeia e a Agência Espacial Canadiana. O Goddard Space Flight Center, da NASA, faz a gestão do projeto Webb Telescope. O Space Telescope Science Institute é responsável pela ciência e pelas operações de missão, bem como pelo desenvolvimento da estação terrestre.

Mas grande parte da construção do Telescópio Espacial James Webb foi entregue à Northrop Grumman, que projetou e construiu a proteção solar integrada no sistema da nave.

Foto: NASA-Northropgrumman/DR

Os subsistemas do observatório são desenvolvidos por uma equipa com vasta experiência no desenvolvimento de observatórios baseados no espaço:

- Ball Aerospace: design ótico, espelhos, deteção de frente de onda e design de controlo e algoritmos;
- Harris Corporation: integração e teste do telescópio ótico;
- Universidade do Arizona: Near-Infrared Camera (Câmera de Infravermelhos);
- Agência Espacial Europeia (ESA): Espectrógrafo de infravermelho próximo;
- Laboratório de Propulsão a Jacto (JPL), ESA: instrumento infravermelho médio;
- Agência Espacial Canadiana (CSA): Sensor de Orientação Fina com Módulo de Filtro Ajustável.
Ciência e pirataria
A história da pesquisa em astronomia está repleta de negócios estranhos e muitas chantagens, incluindo acidentes marítimos impulsionados por motivações muito terrestres.

"A lente da discórdia"

Uma das primeiras “aventuras do alheio” conhecidas nesta categoria ocorreu em 1872 no Observatório Allegheny, em Pittsburgh, quando o astrónomo Samuel Langley, diretor do observatório, a regressar de uma conferência científica, foi alertado pelos seus funcionários, que o levaram a correr até ao topo do edifício.


Fotos: Allegheny Observatory e astrónomo Samuel Langley/DR

Qual não foi o espanto do cientista quando viu com os próprios olhos que a lente do telescópio do observatório havia sido roubada.

Mas a história não ficou por aqui. Langley recebeu, nos dias seguintes, uma carta: “Encontre-se comigo na floresta atrás do observatório à meia-noite, ou nunca mais verá as lentes”. Assim aconteceu. Langley e o ladrão encontraram-se e, noite dentro, debateram o resgate do material. O cientista recusou-se a pagar o resgate.

Ao cabo de várias horas, Langley conseguiu persuadir o ladrão a divulgar a localização das lentes em troca de manter o anonimato do ladrão, nas notícias que iam surgindo nos jornais. A lente furtada foi encontrada no lixo, atrás de um hotel próximo do observatório, tão arranhada que a equipa de Langley teve de a reenviar a uma empresa especializada e pagar o polimento e a recolocação.

“Um negócio duro como o aço”

Decorria o ano de 1984 quando a estrutura em aço construída em Inglaterra que servia para proteger o telescópio James Clerk Maxwell (JCMT) foi colocada numa embarcação com destino ao Hawai, onde se instalaria o telescópio. De acordo com Richard Hills, cientista do projeto JCMT, a embarcação contratada para transportar a estrutura avariou antes mesmo de arrancar. A tarefa foi entregue a um capitão comercial que detinha um pequeno barco e o contrato previa que levasse o material diretamente para o Hawai.

A cúpula aberta do telescópio James Clerk Maxwell revela o refletor de 15 metros. Foto: Joint Astronomy Center/DR

Mas em vez disso, sem dar conhecimento ao pessoal da empresa que embarcou as peças de aço, o navio alterou o destino até aos Países Baixos, onde à revelia do primeiro contratante recebeu um carregamento de explosivos perigosos.

Já depois de atravessar o Atlântico, a embarcação parou fora do Canal do Panamá, supostamente a aguardar uma autorização especial para poder passar com a carga de explosivos, antes de seguir para o Equador, onde acabou por descarregar o material.

A história parece não ter muita controvérsia, não fora a equipa do JCMT achar estranho a longa demora da entrega do material no Hawai. Como os elementos do telescópio não tiveram comunicação com o capitão durante esta caminhada totalmente não autorizada, restava-lhes pedir às autoridades para rastrear o paradeiro do barco. Acontece que durante este tempo, cerca de dez semanas, o exterior em aço que fazia parte da cúpula de proteção do JCMT continuava empilhado no convés.

Quando o navio finalmente chegou ao destino, o Hawai, as multas em que o capitão havia incorrido eram tantas que quase correspondiam ao pagamento da entrega do material transportado. Entre a espada e parede, perante as despesas e fora das águas territoriais, o capitão enviou uma mensagem ameaçadora a Richard Hills, cientista do projeto JCMT: “Ou me paga integralmente, ou deito todo o material de aço ao mar e diga-lhe adeus”.

Perante a ameaça, a equipa do JCMT conseguiu uma ordem judicial que obrigava o capitão, sob as leis contra a “pirataria em alto mar”, a desistir do navio. Segundo Hills, a Guarda Costeira entregou o documento ao navio, pregou o papel no mastro - um costume marítimo, aparentemente - e prendeu o capitão sob ameaça com arma.

O capitão acabou por receber, mas não o valor total do contrato que havia assinado.
Transporte sob sigilo
Esta não é a primeira vez, nem será a última, que a NASA realiza o transporte de equipamentos científicos, satélites e sondas espaciais de forma mais ou menos incógnita. Todos os telescópios construídos pela agência espacial norte-americana viajaram disfarçados até aos respetivos destinos. E sem problemas.

Karen Knierman, astrofísica da Arizona State University, referiu a uma jornalista norte-americana especializada em artigos sobre a exploração espacial que, em 2003, se deparou com o camião que transportava o telescópio espacial Spitzer para a Florida -  a única indicação da carga, que estava bem oculta, era um pequeno logotipo da NASA no veículo.

Em 2012, um telescópio da NASA chegou mesmo a ser dado como desaparecido ao viajar do Minnesota para o Texas. Quando os funcionários da agência espacial deram conta do sucedido, contactaram a empresa de transporte, tendo esta encontrado o motorista a dormir no trator, mas sem o reboque que continha o telescópico.

O motorista alegou que tinha sido roubado. O atrelado e o respetivo telescópio estaria em Dallas, semi-escondido numa empresa de lavagens de veículos. A NASA nunca chegou a dar a conhecer qual foi o telescópio perdido.

Quanto ao James Webb Space Telescope, a agência espacial norte-americana não quer pontas soltas e diz que a viagem para a América do Sul nem é a parte mais perigosa da missão. Tão-pouco o lançamento do foguete Ariane 5, que é como “colocar todos os ovos num cesto e por baixo colocar cerca de duas mil toneladas de explosivos", ironizou um porta-voz da NASA.
Para os cientistas e engenheiros, o mais perigoso será quando o JWST viajar até à órbita programada, a 1,6 milhões de quilómetros da Terra, e começar a abrir-se e a desdobrar-se num conjunto de sequências complicadas e automatizadas.

Se alguma coisa, nesse momento, não funcionar, não há como voltar atrás ou tentar arranjar.

O JWST não terá a mesma sorte do seu antecessor, o telescópio espacial Hubble, lançado em 1990. Este equipamento orbita a uma distância relativamente confortável de 400 quilómetros da Terra. Recebeu já algumas visitas de astronautas para reparar problemas de miopia, por causa do desalinhamento das principais lentes do observatório espacial.

Foto: Reparação do Hubble, missão STS-61 - NASA/DR

O James Webb Space Telescope ainda não foi lançado e é já considerado um dos maiores feitos em termos científicos. “Este telescópio espacial pode realmente revolucionar todo o campo científico tal como o conhecemos”, diz Christopher Conselice, astrofísico da Universidade de Manchester.

“Vamos esperar agora que os piratas não o levem”, ironiza.