O jurista António Katchi disse à Lusa que a nova lei da segurança nacional proposta pelo Governo de Macau terá um efeito de intimidação geral no território, como aconteceu na vizinha cidade de Hong Kong.
"Para imaginar os efeitos desta revisão legislativa em Macau, eu diria que basta olhar para Hong Kong e, a partir de uma hipótese de cenários idênticos, atender depois às diferenças entre as duas regiões", afirma o docente universitário sobre a proposta, que tem sido bem recebida por deputados e associações locais.
"Haverá, tal como em Hong Kong, o efeito de intimidação geral, e o medo já não será apenas o de sofrer consequências económicas (como a perda do emprego, de subsídios, de negócios ou de clientes, conforme os casos), mas o de ser encarcerado", sublinha o professor, que tem lecionado ao longo dos anos Direito Internacional, Pensamento Político e Constituição e Lei Básica (a miniconstituição de Macau).
Para o especialista, "reflexos especiais desta intimidação geral serão a auto e heterocensura na comunicação social, no ensino e na cultura, a despolitização da população e o enfraquecimento da solidariedade entre as pessoas, nomeadamente entre colegas de trabalho".
Katchi aponta algumas diferenças, dando um par de exemplos.
Por um lado, "em Macau não há sindicatos, por isso não haverá sindicatos para dissolver ou constranger à autodissolução".
Por outro, "em Macau, a oposição política e social é, em geral, demograficamente mais circunscrita, ideologicamente menos diversificada e retoricamente mais branda que em Hong Kong, pelo que, em princípio, o número de pessoas suscetíveis de serem processadas criminalmente ao abrigo desta lei será menor".
"Mas, em contrapartida, o zelo das autoridades de Macau em aplicá-la poderá eventualmente ser maior", sustenta, lembrando também que a "revisão legislativa anunciada pelo secretário para a Segurança visa conferir à lei de Macau um alcance tão amplo como o da lei aprovada pela Assembleia Popular Nacional para Hong Kong em 2020".
Em Hong Kong, uma vez aprovada a lei da segurança nacional, que conta com uma polícia própria, assistiu-se nos últimos dois anos a centenas de detenções, entre ativistas, políticos e académicos, o que silenciou a oposição e acabou com os protestos nas ruas.
O docente universitário admite que "o processo legislativo será diferente, como assinalou o secretário, mas o que vai ter impacto direto na vida das pessoas não é o processo legislativo, é o conteúdo, que "poderá estar expresso numa linguagem um pouco diferente, mais adaptada à tradição jurídica de Macau, mas nem por isso deixará de ser moldado em conformidade com os mesmos objetivos".
"Se, ainda assim, o conteúdo de uma ou outra norma se vier a revelar insuficientemente lato para as autoridades policiais e judiciais darem cabal cumprimento aos objetivos governamentais, estas resolverão o problema (...), mais tarde, eventualmente, o Governo proporá nova revisão da lei à Assembleia Legislativa", diz.
O Governo de Macau anunciou na segunda-feira uma revisão legislativa da lei da segurança nacional, na qual prevê, entre muitas outras disposições, punir qualquer pessoa no estrangeiro que cometa crimes contra a segurança nacional da China.
As autoridades anunciaram que querem "introduzir adaptações para sancionar legalmente qualquer indivíduo, organização ou associação que pratique atos prejudiciais à segurança do Estado através das diversas formas de ligação".
O crime de secessão de Estado passa a englobar a utilização de meios ilícitos não violentos. O crime de "subversão contra o Governo Popular Central" passa a ter uma maior abrangência e a ser definido como "subversão contra o poder político do Estado".
Ao crime de sedição acrescenta-se que "é punível criminalmente quem, pública e diretamente, incite à prática do crime de rebelião que prejudique a estabilidade do Estado".
O crime de "subtração de segredo de Estado" passa a denominar-se de "violação de segredo de Estado", com uma maior abrangência e agravamento da sanção.
Com a nova legislação propõe-se criar o crime de "instigação ou apoio à sedição", para se "reforçar a política penal de defesa da segurança nacional e criminalizar de forma independente a instigação ou a assistência relacionada".
Outra proposta passa por criar "a medida preventiva de `interceção de comunicação de informações`", que, na prática, significa a possibilidade de aceder ao registo de comunicações dos últimos seis meses diretamente de operadores de telecomunicações e prestadores de serviços de comunicações em rede.
Na nova legislação prevê-se igualmente a introdução da medida de "restrição temporária de saída de fronteiras", o que na prática possibilita que alguém seja detido sem ainda ter sido constituído arguido, "de modo a garantir que os suspeitos possam cooperar com as autoridades policiais na investigação e recolha de provas num período de tempo relativamente curto".
Com a revisão legislativa pretende-se também passar a exigir o fornecimento de dados de atividades às organizações ou pessoas suspeitas em Macau, ficando apenas de fora quem goze de imunidade diplomática.
As autoridades pretendem ainda criar disposições idênticas às previstas na Lei da Criminalidade Organizada, na qual se determina a inexistência da suspensão da pena e a aplicação ao arguido da medida de prisão preventiva pelo juiz.