O corpo de Salvador Allende foi hoje exumado, a fim de ser submetido a uma nova autópsia. Quase quatro décadas após a morte, a Justiça chilena quer determinar se o ex-presidente do Chile se suicidou, como afirma a história oficial, ou se foi assassinado pelas tropas de Augusto Pinochet durante o assalto ao palácio presidencial no golpe militar de 1973.
Um painel de peritos forenses vai agora tentar determinar qual das teses que rodeia a morte do ex-líder socialista do Chile é a correta.
A versão oficial diz que durante o assalto ao palácio de La Moneda, Allende se suicidou, com uma espingarda AK-47 que lhe tinha sido oferecida pelo líder cubano Fidel Castro.
No entanto essa versão começou a ser posta em causa logo a seguir ao assalto e o regime militar sempre procurou esconder ou deturpar os pormenores que rodeavam a morte do Presidente socialista.
O próprio Fidel Castro defendeu a versão de que o líder chileno tinha morrido a combater e algumas versões alegam que foi executado a sangue frio pelos homens de Pinochet.
A versão do suicídio Apenas um homem diz ter testemunhado o suicídio. O Dr. Patricio Guijon, membro da equipa médica de Allende, voltou na terça-feira a reafirmar a sua versão dos acontecimentos à Associated Press, dizendo que “ainda se lembra vividamente” do momento em que viu Allende disparar contra a própria cabeça.
No essencial, este médico corrobora a versão da Junta Militar de que Allende se suicidou com a AK-47, e que mais nenhum tiro foi disparado depois de os soldados chegarem ao local e removerem o corpo.
Na altura, o bombardeamento do palácio já durava há horas e o ruído dos tiros de metralhadora e dos rockets disparados pela aviação era ensurdecedor. Guijon relata que agarrou a arma de Allende, que estava caída sobre o corpo, e a colocou numa cadeira próxima.
Preso e enviado para uma colónia penal durante três meses, Guijon voltaria à liberdade mas como um homem marcado. Os apoiantes da junta militar viam-no como um simpatizante de Allende e a esquerda, devido ao seu testemunho, suspeitava que ele fosse um apologista de Pinochet.
Para a esquerda, Allende tornou-se num mártir e muitos chilenos continuam a acreditar que foi morto pelos militares.
Entre os que sustentam a tese do assassínio está o Dr. Luis Ravenal, um especialista forense, que não esteve envolvido na autópsia original do corpo mas contesta o que diz serem aparentes irregularidades no processo.
Este especialista diz que a autópsia inicial foi feita à pressa, sem instrumentos adequados e sem que tenham sido feitas fotografias.
Os militares não permitiram à viúva ver os ferimentos do corpo que foi sepultado, à pressa, num caixão fechado, apenas identificado com as iniciais NN. Só em 1990, depois de restaurada a democracia no Chile, Allende voltaria a ser sepultado, desta vez com honras militares, no Cemitério Geral de Santiago.
Assassínio?Para o Dr. Luis Ravenal, alguns elementos do relatório de sete páginas que se seguiu à autópsia sugerem que Allende pode ter sido inicialmente ferido por um tiro de pistola, e que terá sido posteriormente assassinado com a AK-47.
Ravenal alega ainda que a arma que foi exibida a público pelos militares como sendo a do suicídio não era a mesma que tinha sido oferecida a Allende por Fidel Castro.
A própria família não está de acordo quanto às circunstâncias da morte. A filha do ex-presidente, a senadora Isabel Allende, declarou que a versão do suicídio é a correta, e acredita que a exumação confirmará essa tese. Mas a sobrinha, Isabel Allende Llona, acredita que seu tio foi assassinado.
O inquérito ordenado pelo juiz Carroza tem como objetivo apurar a verdade “com certeza jurídica” e ainda, reunir provas que possam apoiar acusações adicionais de crimes contra a humanidade contra os responsáveis da Junta Militar, na morte de centenas de pessoas que foram torturadas e desapareceram nos dias imediatos ao golpe militar.