Hatice Cengiz, noiva do jornalista saudita Jamal Khashoggi, assassinado em 2018, defende que o príncipe herdeiro saudita deve ser “punido sem demora” depois de ter sido publicado um relatório onde Mohamed Bin Salman é acusado de ter aprovado o assassínio de Khashoggi. Washington já anunciou que serão aplicadas sanções à Arábia Saudita, mas o presidente norte-americano evita a punição direta do príncipe herdeiro saudita.
O apelo de Cengiz surge três dias depois de ter sido publicado o há muito aguardado relatório dos serviços secretos dos EUA sobre a morte de Khashoggi, no qual o príncipe herdeiro saudita, Mohamed Bin Salman, é acusado de ter “validado uma operação em Istambul para capturar ou matar o jornalista saudita Jamal Khashoggi”.
Khashoggi, de 59 anos, era residente nos EUA e cronista do jornal The Washington Post. O jornalista saudita era crítico da consolidação autoritária do poder do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman. Foi assassinado no consulado do seu país em Istambul (Turquia) por agentes sauditas, em outubro de 2018, quando procurava obter os documentos necessários para o seu futuro casamento.
“Congratulo-me com a publicação do relatório americano. A verdade, que já era conhecida, foi reafirmada e agora é definitiva. Mas isso não é suficiente, pois a verdade só faz sentido se servir ao cumprimento da justiça”, afirmou Cengiz.
“Se o príncipe herdeiro não for punido, isso enviará um sinal para sempre de que o principal culpado pode matar impunemente”, afirmou a noiva de Khashoggi, sublinhando: “Os governos de todo o mundo, a começar pela administração Biden, devem questionar-se sobre se estão prontos para apertar a mão de alguém cuja culpa foi provada, sem ter sido punido”.
EUA poupam príncipe herdeiro
O presidente norte-americano, Joe Biden, anunciou que serão tomadas medidas contra a Arábia Saudita, mas parece determinado em preservar a relação com o país, um aliado estratégico, evitando a punição direta do príncipe herdeiro saudita. Segundo funcionários do governo norte-americano, Biden considera que o custo diplomático a pagar pela penalização direta de Mohamed Bin Salman seria muito alto.
“Os Estados Unidos não costumam sancionar líderes governamentais de países com os quais temos relações diplomáticas”, disse a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, esta segunda-feira, salvaguardando que os EUA “se reservam o direito” de sancionar o príncipe herdeiro no futuro, se necessário.
“Também transmitimos com muita clareza e franqueza, por meio de canais diplomáticos, que isto nunca pode acontecer novamente e que o nosso relacionamento será diferente do que foi no passado”, sublinhou a porta-voz da Casa Branca.
Psaki explicou que a intenção de Biden é de “recalibrar” a relação com Riade, de uma forma “diferente” da anterior administração norte-americana.
Joe Biden afirmou que as mudanças nas relações entre os dois países serão significativas e passarão a mensagem de que “as regras estão a mudar”. “Vamos responsabilizá-los por violações dos direitos humanos”, disse Biden à emissora televisiva Univision, acrescentando que descreveu as sanções que serão impostas pelos EUA ao rei Salman durante uma chamada telefónica na quinta-feira.
Uma “jogada extremamente perigosa por parte dos EUA”
A decisão do executivo de Biden tem sido alvo de críticas por parte de vários ativistas e membros do próprio partido democrata, que exigem sanções mais duras contra as autoridades sauditas e uma mudança de estratégia relativamente à adotada durante a Administração Trump. Após o assassinato de Khashoggi, o Governo de Donald Trump continuou a apoiar firmemente o príncipe herdeiro e a Arábia Saudita, um dos principais aliados dos EUA no Médio Oriente, apesar das exigências generalizadas de responsabilização.
Uma investigadora dos direitos humanos na Organização das Nações Unidas (ONU) defendeu esta segunda-feira que é “extremamente perigoso” para os EUA terem acusado o príncipe herdeiro saudita de ser responsável pela morte do jornalista e não avançarem com nenhuma punição contra o próprio.
“É extremamente problemático, na minha opinião, se não mesmo perigoso, reconhecer a culpabilidade de alguém e depois dizer a essa pessoa ‘mas não faremos nada, por favor proceda como se não tivéssemos dito nada”, disse Agnes Callamard, relatora especial sobre execuções sumárias que liderou uma investigação da ONU sobre o assassinato de Khashoggi em 2018. “Isto, para mim, é uma jogada extremamente perigosa por parte dos EUA”, acrescentou.
Muitas organizações apelam a que, no mínimo, sejam impostas restrições de viagens ao príncipe herdeiro, tal como a administração Trump as impôs aos restantes envolvidos na morte de Khashoggi.
Os assessores de Biden afirmaram que, na prática, o príncipe Mohamed Bin Salman não será convidado para os EUA num futuro próximo e negaram que estejam a “fechar os olhos” à Arábia Saudita, prometendo que serão tomadas uma série de medidas contra funcionários sauditas que estavam envolvidos na morte do jornalista.
Essas medidas, aprovadas pelo secretário de Estado norte-americano Anthony Blinken, incluem a restrição de viagens ao ex-chefe da inteligência da Arábia Saudita, que estava profundamente envolvido na operação Khashoggi, e à Força de Intervenção Rápida, uma unidade da Guarda Real Saudita que protege o príncipe herdeiro e que está sob seu controlo direto.
O Departamento de Estado norte-americano também anunciou uma nova política, chamada “Khashoggi Ban”, que permitirá aos EUA negar vistos a pessoas que colocam em perigo, ameaçam ou espiam jornalistas a favor de um Governo estrangeiro.