No bairro russo berlinense "Charlottengrad" espera-se o fim de Putin

por Lusa

 Em Charlottenburg, bairro da capital alemã Berlim também conhecido por "Charlottengrad" pela histórica presença russa, Vladimir Putin e a invasão da Ucrânia são temas incómodos, mas reside a esperança de uma mudança de regime em Moscovo.

"A Rússia não é Putin", comenta brevemente uma senhora que olha para as bancas de fruta do supermercado e café "Rossiya", mesmo ao lado da estação de comboios do bairro. Os nomes dos alimentos estão escritos em alemão, mas ali a língua que domina as conversas é outra. Pouco se fala de política, e nada da guerra com a Ucrânia.

Foi uma outra guerra, civil, que abalou a Rússia depois da revolução de 1917, que trouxe milhares até à capital berlinense. Instalaram-se sobretudo no distrito de Charlottenburg, zona rica da cidade, onde passaram a existir vários restaurantes, cinemas, teatros e livrarias russas. Charlottenburg passou a ser "Charlottengrad".

No "Rossiya" ainda há tinta vermelha espalhada na parede. Uma empregada chechena, que prefere não ser identificada, explica que, quando a guerra começou, em fevereiro de 2022, houve protestantes que o vieram demonstrar.

"Aqui não somos a favor da guerra, nem temos culpa que ela exista", comenta, ao balcão, enquanto vai servindo Pirozhki, uma espécie de empadas russas, bem quentes. Vai apontando os funcionários e enumerando as diferentes nacionalidades de cada um. O café é frequentado sobretudo por russos de segunda geração, e curiosos.

"Quando a guerra começou, notei que perdemos clientes. Ninguém queria comer comida russa, e os próprios russos tinham receio. Agora temos ainda mais clientes que antes", assume. Muitos vêm matar saudades de um país que consideram cada vez mais distante.

"Se nada acontecer ao regime atual, a Rússia não vai ter qualquer futuro", comenta Oleg, programador de software, de Moscovo, a viver com a família em Berlim há quatro anos.

"A ideia principal de Putin é a de que o passado foi bom para a Rússia, e que o país deveria voltar a esses tempos", considera, admitindo estar atento ao que se passa no país, não esperando surpresas nas eleições marcadas para os dias 15, 16 e 17 de março.

Oleg admite nunca ter sido diretamente alvo de discriminação por ser russo, mas considera que muitas sanções acabam por afetar os cidadãos comuns sem que estes tenham culpa do que está a acontecer, fazendo-os sentir-se "ameaçados".

Anastasia, que chegou a Berlim já depois da guerra, em maio de 2022, confessa também não sentir qualquer discriminação ou ódio, bem pelo contrário.

"No início, foi um choque para mim. Eu não tinha confiança no meu alemão (...) Tinha vergonha de dizer aos outros de onde era. Mas depois percebi que a maioria das pessoas distingue o país do governo", conta.

Anastasia diz que até fica envergonhada porque muitas pessoas acham interessante o facto de ser russa, e fazem perguntas. Nos primeiros tempos em Berlim, passava horas nas redes sociais a consumir tudo o que aparecia sobre a Rússia e a Ucrânia. Depois chegou à conclusão que "não adianta".

"Comecei a interessar-me por política alemã, a melhorar os meus conhecimentos da língua. Há algumas semanas tudo piorou. Não esperava que a morte de Navalny tivesse tanto impacto em mim. Fiquei sinceramente triste, como se um membro da família tivesse morrido", confessa.

Não faz previsões para o futuro, mas tem um desejo claro.

"Ninguém acreditava que Putin ia começar a guerra. Ninguém previa as ações de [Yevgeny] Prigozhin (que tentou derrubar a liderança militar russa em 2023]. Todos acreditavam que as sanções iam ameaçar o regime de Putin. Mas...", suspira, enquanto olha para o céu.

"Espero que Putin morra. Nesse caso, acredito que a situação mude rapidamente", diz, enquanto se despede.

A uns metros está a livraria "Gelikon Europa", identificada também em cirílico, mas, as marcas russas no bairro estão longe de ser as de há um século. Atualmente a comunidade russa está espalhada por toda a cidade e ninguém sabe ao certo o número dos que cá vivem.

No lado leste de Berlim, em Friedrichshain, o dono do restaurante "Anastasia", que oferece aos clientes comida russa e uzbeque, recorda os tempos pós-guerra com um aperto, principalmente porque ainda estavam a recuperar dos efeitos da pandemia.

"Foram tempos difíceis", lembra Erkin Tashqin, enquanto percorre com o olhar as mesas ainda vazias que prometem encher para o almoço.

A maioria dos clientes, quase 80%, são "amigos, conhecidos, moradores da zona" que não deixaram de frequentar o restaurante, nas mãos da família desde 2011.

Não notou uma "queda abrupta" na clientela, mas houve alguns episódios que lhe deixaram mau sabor de boca. Mesmo assim, não lhe tiraram o sorriso.

"Houve uns clientes que se recusaram a beber cerveja russa, disseram que nem pensar. Tivemos também uma mensagem escrita aqui, na nossa esplanada, a dizer `Putin é um assassino`. Também me lembro de uma avaliação de uma estrela na internet de alguém que nem sequer nos tinha visitado", recorda.

Tashqin emprega treze pessoas, todas de nacionalidades diferentes, entre elas ucraniana e russa.

"Lá fora, quando passam estas portas e penduram o avental, podem falar do que quiserem. Aqui dentro não se fala de política, nem da guerra. Até agora não temos tido problemas, e todos têm uma boa relação", admite.

Espera que a guerra termine em breve.

"Vejo as coisas de forma positiva", admite enquanto sorri novamente e olha para as mesas distribuídas no passeio, onde bate o sol, "acredito que as coisas vão melhorar para todos".

 

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