Numa jornada em que se decidia muito mais do que a composição do Parlamento Europeu, a par da eleição dos 751 deputados europeus havia o cenário de uma mais do que provável ascensão da extrema-direita e subsequente recomposição das famílias políticas. Foi um cenário que não se confirmou, com o nível de participação a ser apontado como o grande vencedor deste escrutínio. O sangue apenas correu na Grécia onde, após a derrota do seu Syriza, o primeiro-ministro Alexis Tsipras deixou a nota de legislativas antecipadas.
Em vários países da União, as Europeias beneficiaram da convocação dos eleitores para outros escrutínios que serão mais próximos dos seus interesses. Por exemplo, em Espanha decorreram também as eleições municipais e regionais. No caso da Lituânia foram as presidenciais.
Entretanto, são várias as leituras permitidas pelos números da participação neste escrutínio. Os populistas poderão reclamar esta vitória fruto do seu investimento nas campanhas através das redes sociais, estabelecendo uma maior proximidade com os eleitores, conseguindo ademais captar a atenção dos mais novos.
Os partidos tradicionais poderão, por seu lado, falar numa mobilização inédita para travar os movimentos populistas e de extrema-direita que vêm impondo a sua presença nas instituições europeias e parlamentos nacionais. O cenário que vinha a desenhar-se nos últimos meses era precisamente a deslocação do combate político da discussão entre os extremistas de direita e o restante espectro político para um palco de disputa entre a extrema-direita e a direita populista nacionalista, o que não veio a acontecer.
Os níveis de participação foram desde logo sublinhados ao final da tarde pelo porta-voz do PE, Jaume Duch: “As primeiras estimativas indicam que a participação nestas eleições é a mais alta dos últimos 20 anos. Representa o primeiro aumento de participação em relação a escrutínios anteriores”, muito próximo dos 51 por cento para o conjunto dos Estados-membros com exceção do Reino Unido.
O fim do ciclo político do Syriza, que vinha governando a Grécia desde 2015, afigura-se como o segundo facto mais revelante destas Europeias. O primeiro-ministro Alexis Tsipras já assumiu a derrota do partido, ultrapassado em nove pontos percentuais pela Nova Democracia num resultado que não deixa margem para dúvidas (33,28% - 23,94%). Nas palavras de Tsipras, as legislativas gregas deverão ser antecipadas “imediatamente”, quer dizer, após as eleições municipais de 2 de junho.Apesar de perder mais de 40 deputados, a família política do PPE (Partido Popular Europeu) continua a ser dominante no Parlamento Europeu.
Apesar de a derrota da abstenção ter vindo ao início da noite a constituir a nota mais forte do escrutínio levado a cabo nos últimos dias, os alfinetes continuam a marcar vários países-chave de cujos resultados dependem as análises desta noite. São países charneira do projecto europeu, de cuja orientação política depende a própria sobrevivência da União, cada vez mais confrontada com movimentos políticos anti-europeístas.
Uma das deceções deste domingo chegou da Alemanha, com a CDU da chanceler Angela Merkel a vencer com 28,8 por cento, uma vitória de Pirro conseguida com o pior resultado de sempre dos democratas cristãos alemães. O segundo lugar vai para os verdes com 20,6 por cento, seguidos dos social-democratas do SPD com 15,5. A extrema-direita da AFD (Alternativa para a Alemanha) ficou-se pelo quarto lugar com 10,8 por cento dos votos.
Andrea Nahles, líder do SPD, deixou a ideia de que deseja manter a coligação governamental com o partido conservador da chanceler Merkel para prosseguir a agenda social do Executivo, o que não a impediu de falar de um resultado “extremamente desapontante”, depois da ultrapassagem sem contemplações dos verdes, que com os seus mais de 20 por cento remeteram o partido para terceira força política do país.
Numa tentativa de dispersar as nuvens que pairam sobre a CDU, a líder dos democratas cristãos, Annegret Kramp-Karrenbauer, procurou reforçar a candidatura de Manfred Weber como próximo presidente da comissão Europeia caso venha o Partido Popular Europeu a confirmar-se como a maior família política do Parlamento Europeu.
“Se, como esperamos, a eleição vier confirmar que o PPE é o partido mais forte na Europa, então é também claro que Manfred Weber deverá ser o líder apontado à Comissão Europeia”, atirou Kramp-Karrenbauer. São declarações que não escondem o essencial: a crise da coligação governamental liderada por Merkel com a Alemanha a meses do escrutínio fulcral nas regionais.
De qualquer forma, a imposição de Manfred Weber é uma ideia que deverá encontrar novas oposições em Estrasburgo e Bruxelas, uma vez que a família política dos Liberais (ganhou 34 lugares, para 102 eurodeputados) – acenando com a bandeira conquistada de terceiro maior grupo no PE – veio já reivindicar um papel “crucial” numa legislatura europeia em que PPE e Socialistas deixam de ter a maioria (perdem cada um à volta de 40 deputados).
Le Pen pede dissolução da Assembleia Nacional
Os franceses deram a vitória à União Nacional de Marine Le Pen com 23,53 por cento dos escrutínios. A LREM (A República Em Marcha!), formação do presidente Emmanuel Macron, foi segunda, com 22,47 por cento. No que era visto como uma terceira mão das presidenciais, a extrema-direita conseguiu o que não havia sido possível na corrida ao Eliseu: bater Macron, apesar de por uma escassa margem, o que torna o resultado incontornável.
Os ecologistas franceses terão, apesar de tudo, sido os grandes vencedores da jornada europeia em França, já que foram a terceira força política neste escrutínio à frente dos Republicanos e França Insubmissa.
Entretanto, no seu discurso de vitória, Le Pen não hesitou em pedir a dissolução da Assembleia Nacional: “Em face da desvantagem democrática desta noite, é necessário retirar as conclusões necessárias. O presidente Macron não tem alternativa a dissolver a Assembleia Nacional para a tornar um instrumento representativo do país”.
“O voto na RN é um voto por França e pelo seu povo. Isso é vital e feliz para um país que navega num estado de confusão. Em face da desvantagem democrática desta noite, é necessário retirar as conclusões necessárias”, declarou antes a chefe da extrema-direita gaulesa.
Na Áustria, e apesar de um escândalo que apanhou Heinz-Christian Strache, presidente do Partido da Liberdade e vice-chanceler da Áustria, numa combinação financeira de contornos obscuros ter deixado o executivo ferido de morte, o Partido Popular do chanceler Sebastian Kurz conseguiu expressivos 34,5 por cento. Trata-se de um resultado que deverá escorar aquele que é o mais jovem líder de governo da história do país em vésperas de enfrentar uma moção de confiança.
O mesmo sentido de voto confirmou-se, sem surpresas, na Hungria, com o Fidesz do primeiro-ministro Viktor Orbán a reclamar a vitória com expressivos 52,14 por cento.
Socialistas reforçados em Espanha
Em Espanha, pode dizer-se que Pedro Sánchez, líder dos socialistas do PSOE, entrou numa dinâmica de vitória. Com 32,82 por cento superou a soma da oposição de direita, PP (20,12) e Ciudadanos (12,19). Um caso particular a registar é o bilhete para Bruxelas, pela primeira vez na sua história, de um grupo de eurodeputados do Vox, o partido de extrema-direita de Santiago Abascal, que diz não ter medo da designação de fascista.
Em piores circunstâncias encontram-se, apesar de tudo, os líderes do Partido Popular e do Ciudadanos, Pablo Casado e Albert Rivera, incapazes de fazerem o país virar de novo à direita depois de deixarem que um Pedro Sanchez deitado por terra conseguisse reerguer-se para impor um PSOE renovado na governação de Espanha.
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