Neves e Veiga ignorados em barbearia da Cova da Moura

por Lusa
Candidatos Presidenciais Carlos Veiga e José Maria Neves Foto: Páginas Oficiais Candidatos

A disputa entre Carlos Veiga e José Maria Neves pela presidência de Cabo Verde fica fora da conversa na barbearia Nuno, perto da Cova da Moura, Amadora, orgulhosa dos seus clientes cabo-verdianos famosos e fiéis aos cortes e penteados crioulos.

A poucos dias da primeira volta das eleições presidenciais em Cabo Verde, que se realiza no domingo, a agência Lusa foi ouvir alguns cabo-verdianos nesta zona histórica da comunidade cabo-verdiana em Portugal sobre o interesse por este ato eleitoral, que parece estar longe de mobilizar a diáspora.

"Vou votar porque acho que este é o meu dever como cidadão, mas, na verdade, até acho que a diáspora não devia votar, porque sentimo-nos completamente abandonados por Cabo Verde", disse Abel, 41 anos, proprietário do Cabeleireiro Nuno, no interior do qual estão expostas camisolas assinadas por jogadores de futebol cabo-verdianos, como o sportinguista Jovane Cabral.

Jovane é apenas um dos clientes fiéis deste salão, animado por uma televisão de grandes dimensões, com o futebol a destacar-se na programação. Mas também Ely, natural de Santiago, ou Nuno Mendes, que recentemente ingressou no clube francês Paris Saint-Germain, não dispensam o pente e a tesoura desta barbearia.

Natural da Assomada, ilha de Santiago, onde vai com relativa frequência, Abel vê com tristeza a subida dos preços na sua terra natal, como o aumento de dois pontos percentuais na taxa base de IVA, previsto no orçamento de Estado para 2022, mas também o da eletricidade, que recentemente subiu até 37% no arquipélago.

Abel sabe de cor as percentagens dos aumentos e acha que os políticos é que deviam ser responsabilizados por carregar cada vez mais no povo.

Oriundo da mesma ilha, Gracelino, 38 anos, diz-se revoltado com a indiferença do Governo cabo-verdiano em relação à comunidade no exterior. E dá o exemplo dos representantes dos maiores partidos de Cabo Verde (o Movimento para a Democracia -- MpD, no poder -- e o Partido Africano da Independência de Cabo Verde -- PAICV, na oposição), que já "nem se dão ao trabalho" de informar a comunidade sobre as eleições e as suas propostas.

Mas Gracelino nem queria tanto. Gostava apenas que, de vez em quando, alguém se desse ao trabalho de ouvir a comunidade, querer saber aquilo por que passa, como foi afetada pela pandemia, ou outras questões.

"Não é preciso dar nada. Já bastava saber que estão preocupados, que podem ajudar com apoio psicológico, por exemplo, e se isso fosse preciso", disse.

E acrescentou: "Da última vez que a representante do MpD para a diáspora entrou neste cabeleireiro foi a propósito das últimas eleições [legislativas, em abril passado]. É a única altura em que se lembram da diáspora, para irmos votar. E agora, para as presidenciais, já nem vêm cá...".

Os dois cabeleireiros dizem que o seu desencanto é partilhado por muitos cabo-verdianos e afirmam que os clientes evitam falar de política e, por conseguinte, destas eleições.

"Falam de tudo: da vida, da família, do futebol. Mas, de política, são poucas ou nenhumas as palavras", referiu Abel.

Os mais jovens, indiciou Graciano, "não estão para aí virados" e os mais velhos "votam sempre no mesmo", independentemente das queixas que possam ter dos preferidos.

O desencanto não lhe retira o ânimo para o voto e Graciano tem falado com a família, que está em Cabo Verde, para se ir inteirando do que por lá se passa e daquilo que os que agora querem o voto têm feito pelo povo.

"Conforme o que me disserem, assim votarei, porque eles é que lá estão e eles é que sabem o que precisam e o que lhes dão", adiantou.

Prestes a entrar para "o corte do costume", Lucino Tavares sorri quando percebe que o tema é as eleições presidenciais. Nnatural do Mindelo, na ilha de São Vicente, que viveu 20 anos na Praia, capital de Santiago, diz sem rodeios que "são todos iguais", mas confessa que gostava de poder acompanhar mais a campanha.

"Vejo na televisão e os meus netos mostram-me na internet algumas imagens sobre a campanha, com o povo todo de máscara de volta do [José Maria] Neves e do [Carlos] Veiga. A maior parte nem deve saber quem são, nem o que fizeram", disse à Lusa.

O sexagenário que, entretanto, desistiu do corte de cabelo, aponta para a esplanada de um café, afirmando que teve de acabar a bebida à pressa, porque o assunto estava a ficar demasiado quente.

Apoiado nas mesas de ferro vermelhas, um indivíduo fala aos tropeções, ouvindo-se de vez em quando a palavra "PAICV" e "MpD", além de alguns adjetivos.

"Está com os copos e ficou a falar sozinho. Aqui ninguém se mata por causa dos políticos. E eles também não perdem o sono por causa de nós. Estou em Portugal há tanto tempo como o que vivi em Cabo Verde [32 anos] e sou grato à vida que tenho. Das poucas vezes que fui a Cabo Verde fiquei farto ao fim de um mês. E olhe que eu gosto muito da minha terra, mas não gosto daquilo que o povo sofre por lá", referiu.

Junto à paragem do autocarro, Jocelina, 53 anos, natural de Santiago, dá uma gargalhada quando questionada se vai votar no próximo domingo. "Para quê? Eles não querem saber nem dos que lá estão, quanto mais daqueles que estão fora do país. Cabo Verde é o meu país, mas Portugal também é".

E concluiu: "No domingo trabalho o dia inteiro [num restaurante]. Acho que nem vou ter tempo para saber dos resultados. E, para falar a verdade, nem vontade".

Além de José Maria Pereira Neves e Carlos Veiga, concorrem a estas eleições presidenciais Fernando Rocha Delgado, Gilson Alves, Hélio Sanches, Joaquim Jaime Monteiro e Casimiro de Pina.

O eleito será o quinto Presidente da República de Cabo Verde desde a independência, em 1975, depois de Jorge Carlos Fonseca (2011 -- 2021), Pedro Pires (2001 -- 2011), António Mascarenhas Monteiro (1991 -- 2001) e Aristides Pereira (1975 - 1991).

No caso de a eleição não ficar resolvida no domingo, e se não existir um candidato com a maioria absoluta de votos, a segunda volta está agendada para o dia 31 de outubro.

Para estas eleições, estão inscritos 342.777 eleitores no círculo nacional e 56.087 no estrangeiro. Destes últimos, o maior número regista-se em Portugal (17.914), seguindo-se os Estados Unidos (11.193) e França (8.930).

Em Portugal, a secção consular da Embaixada de Cabo Verde anunciou que irão funcionar 64 mesas de Assembleia de Voto, distribuídas pelas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, Norte e Sul do país e Região Autónoma dos Açores.

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