Netanyahu anuncia acordo para cessar-fogo entre Israel e Líbano

por Graça Andrade Ramos - RTP
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel Reuters

O Gabinete de Segurança de Israel aceitou o acordo do cessar-fogo com o Líbano, o qual deverá entrar em vigor na quarta-feira. O acordo de tréguas deverá estar em vigor durante 60 dias, conforme a proposta apresentada pelos Estados Unidos, mas não há ainda certezas.

Dirigindo-se ao país, após uma reunião do Gabinete de Segurança de Israel, com autoridades libanesas, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, explicou que um dos motivos para aceitar o plano foi potenciar o regresso a casa dos cidadãos israelitas do norte. A guerra só irá terminar quando isso suceder, afirmou, agradecendo a perseverança e resiliências destes concidadãos.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, irá pronunciar-se sobre este acordo ainda esta terça-feira, pelas 19h30 (hora em Lisboa).

Netanyahu garantiu ainda que o Hezbollah "já não é o mesmo", lembrando os ataques que decapitaram toda a estrutura do movimento libanês e destruíram muitas das suas infraestruturas militares, financeiras e de comunicações. "Fizemos-los recuar dezenas de anos", afirmou.

Netanyahu garantiu ainda que, caso as milícias xiitas libanesas violem o acordo e tentem rearmar-se, Israel irá "responder" e ataca-las. "A nossa liberdade de ação permanece total", no Líbano, garantiu, à revelia das exigências de Beirute. A duração das tréguas irá por isso depender do que suceder "no terreno".

"Um acordo pode ser imposto e nós iremos impo-lo", rematou, apesar dos os termos exatos do que está em cima sa mesa não terem sido divulgados. A pontuar a ameaça, o discurso de Netanyahu coincidiu com mais um bombardeamento, do bairro de Hamra, no centro de Beirute.

O plano para o cessar-fogo vai ser adotado "esta noite" pelo Gabinete de Segurança, revelou ainda o primeiro-ministro, e será depois apresentado ao executivo israelita.

Beirute já havia aprovado o plano e, à agência Reuters, o vice-presidente do Parlamento do Líbano garantira prontidão para o implementar, mal Israel anuísse. 

Mal Netanyahu se calou, o primeiro-ministro libanês em exercício, Najib Mikati, apelou à comunidade internacional para aprovar a "implementação imediata" do cessar-fogo.

Na semana passada, num discurso televisionado, o novo líder do Hezbollah, Naim Qassem, pareceu ter dado igualmente luz verde à proposta norte-americana, num compromisso tácito mas não frontal.
Irão, Gaza e rearmamento
As tréguas foram apresentadas ao povo israelita com três vantagens, a questão iraniana, a reposição de arsenais e a separação das frentes de guerra, isolando o Hamas. 

Netanyahu afirmou nomeadamente que irão permitir ao país "concentrar-se na ameaça iraniana". Israel está “determinado a fazer tudo o que for necessário para impedir o Irão de conseguir armas nucleares", afirmou.

Bibi ameaçou ainda a Síria do presidente Bashar al Assad, velha aliada do regime iraniano dos Ayatolahs, afirmando que ele "tem de perceber, está a brincar com o fogo".

"Estamos a mudar a face do Médio Oriente", vangloriou-se o primeiro-ministro israelita, sublinhando que Israel permanece um Estado militarmente forte e defendendo que o mundo ficou admirado com as grandes conquistas das Forças de Defesa de Israel, num reflexo do poder do país na região.

Referindo-se à guerra que eclodiu após o ataque sem precedentes do Hamas ao sul do país, a 7 de outubro de 2023, Netanyahu lembrou que "fomos atacados em sete frentes" (Gaza, Cisjordânia, Líbano, Síria, Irão, os rebeldes Houthi do Iémen e os grupos paramilitares iraquianos apoiados por Teerão), mas que é tempo agora de olhar para um "cenário mais, mais vasto", afirmando-se determinado em levar Israel à vitória.

O primeiro-ministro israelita não se coibiu contudo de reconhecer que o esforço de guerra tem afetado os arsenais e que, por isso, as tréguas irão possibilitar a Israel recuperar poder de fogo. "Não é segredo: tem havido imensos atrasos na entrega de armas e de munições", afirmou, num à parte à Administração norte-americana. Acusação prontamente desmentida por uma fonte desta ao Times of Israel.

Gaza não irá entretanto beneficiar do acordo com o Líbano. Pelo contrário, Netanyahu prometeu que "a pressão se irá intensificar" sobre o Hamas até "completar" a sua eliminação, revelando que já foram mortos cerca de 20.000 terroristas em Gaza

Bibi prometeu igualmente resgatar os quase cem reféns israelitas ainda sequestrados em Gaza, e garantir que o enclave nunca mais sirva de território a partir do qual Israel seja ameaçado.
O que propõe o plano

Ao abrigo da proposta, Israel terá de retirar as suas Forças de Segurança das áreas que ocupou no sul do Líbano para combater as milícias xiitas libanesas do Hezbollah. Em troca, estas comprometem-se a recuar para norte do Rio Litani, a cerca de 25 quilómetros da fronteira israelita.

A área intermédia ficará sob responsabilidade de uma força de cinco mil soldados das forças armadas libanesas e de contigentes da ONU integrados na UNIFIL. 

A proposta norte-americana pouco difere da resolução 1701 acordada em agosto de 2006, na qual se baseia, e que originou 17 anos de tréguas entre o Hezbollah e Israel. Na altura, constituiu-se uma força das Nações Unidas, a UNIFIL, em apoio ao exército do Líbano, que seria agora reforçada.
A missão da UNIFIL era garantir que nenhuma outra força militar além das, legitimadas pelo Direito Internacional, permanecesse a sul do rio Litani. A resolução previa igualmente o desarmamento dos grupos armados, incluindo o Hezbollah, algo que nunca foi implementado. O Líbano acusou Israel de violar várias vezes os termos da resolução através de patrulhas aéreas.
As tréguas de 2006 foram quebradas pelo Hezbollah em outubro de 2023, em apoio ao grupo islamita palestiniano do Hamas. Os ataques com morteiros das milícias xiitas duram há mais de um ano e forçaram milhares de israelitas a abandonar as suas casas junto à fronteira.

Nas últimas semanas o conflito bilateral reacendeu-se, depois de Israel ter dado início a uma ofensiva aérea e terrestre no próprio Líbano, contra o Hezbollah mas com repercussões graves na população civil libanesa.

No seu avanço, os militares israelitas afirmaram ter detetado e destruído na área vigiada pela UNIFIL, diversas posições, túneis, arsenais e bastiões do Hezbollah, construídas em violação da resolução 1701.

A atual proposta dos Estados Unidos inclui a criação de um comité internacional para monitorizar a aplicação do acordo, liderado pelos Estados Unidos. Josep Borrell, alto representante da União Europeia para a Política Externa, defendeu os planos esta terça-feira, considerando que implementam todas as garantias de segurança necessárias para Telavive.
Reticências israelitas
O ceticismo de que os termos do cessar-fogo serão cumpridos afeta membros do executivo israelitas, como Itamar Ben Gvir. O ministro da Segurança Interior na coligação de Benjamin Netanyahu afirmou-se francamente contra um cessar-fogo que implique o recuo militar israelita. 

Em entrevista à rádio Kan, Ben Gvir considerou que "será uma oportunidade histórica perdida se pararmos tudo e voltarmos atrás", não só no Líbano, contra a milícia xiita, mas também em Gaza, contra o Hamas.

Depois do discurso de Netanyahi, Ben Gvir lamentou a anuência à proposta, denunciando-a como um "erro histórico", sem contudo elucidar se de irá demitir ou se o seu partido de extrema-direita, o Otzma Yehudit, irá romper a coligação governamental em protesto.

"Isto não é um cessar-fogo. É um regresso ao conceito da calma pela calma, e já vimos onde isto nos leva", afirmou na rede X. "Em última instância teremos de regressar ao Líbano", previu.

Em contraste, o líder da oposição israelita, Benny Gantz, rejeitou um cessar-fogo temporário e afirmou que Israel devia aproveitar qualquer acordo com o Hezbollah para "mudar fundamentalmente a situação no norte". O acordo agora alcançado poderá ser nesse sentido demasiado fraco para Gantz.

"Não devemos perder a oportunidade de um acordo forte", defendeu, lembrando todos os sacrifícios de Israel nos últimos meses.
Dúvidas e mais dúvidas
Mesmo com a anuência israelita, a proposta não será fácil de implementar, mesmo por meros 60 dias, sendo o Hezbollah, que ainda não se pronunciou formalmente, uma enorme pedra no sapato do entendimento israelo-libanês. 

Outras questões são as dúvidas logísticas e operacionais. O exército do Línano já disse que não tem recursos - nem dinheiro, nem pessoal, nem equipamento - para cumprir as suas obrigações de vigilância e segurança da área fronteiriça. 

Se a comunidade internacional decidir complementar estas falhas, a missão libanesa permanece um risco, uma vez que os termos do acordo não estabelecem para já se o exército libanês terá como obrigação confrontar as milícias xiitas, caso estas violem o acordado. Se sim, a luta poderá exarcebar gravemente as tensões sectárias internas no Líbano.

Alguns relatos sugeriram que uma das condições para Telavive ceder, terá sido o apoio escrito dos EUA ao direito de Israel a agir em território libanês, caso o Hezbollah viole os termos do acordo. Condição não incluída na proposta mas confirmada esta noite por Netanyahu. "Em acordo com os Estados Unidos, mantemos uma liberdade total de ação militar" no Líbano afirmou.

A hipótese de intervenção israelita no Líbano tem sido consistentemente rejeitada por Beirute como violação da sua soberania, mas o governo de Mikati reconhece que o seu exército pouco pode fazer para a impedir. 

Israel já prometeu várias vezes que, com ou sem garantias, se reserva o direito de agir em caso de ameaça, como já o faz na Síria. Esta noite, Benjamin Netanyahu repetiu a promessa.
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