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NATO. Na cimeira de Lisboa, Rússia era "amigo" que não excluía adesão à Aliança

por Lusa

Vários líderes da NATO celebraram em 2010 o fim da guerra fria numa cimeira de Lisboa classificada como histórica, perante o ex-presidente russo Dmitri Medvedev, tratado como um "amigo" que não descartava a adesão à Aliança Atlântica.

Em 19 e 20 de novembro, mais de dez mil efetivos policiais vigiaram uma capital portuguesa com acessos fechados e aeroporto condicionado face à afluência de cerca de 40 chefes de estado e de governo, que incluíam o então chefe da Casa Branca, Barack Obama, o homólogo francês Nicolas Sarkozy, a chanceler alemã Angela Merkel, o primeiro-ministro italiano Sílvio Berlusconi, além de Medvedev e do então Presidente afegão, Hamid Karzai, a par das lideranças das Nações Unidas e da União Europeia.

O socialista José Sócrates era o chefe do Governo português e anfitrião de encontro que tinha como grandes pontos a adoção de um novo conceito estratégico da NATO, a transição do Afeganistão e uma cimeira paralela entre a Aliança Atlântica e a Rússia, com vista ao "descongelamento das relações".

NATO e Moscovo encontravam-se mais próximos do que nunca, estando em discussão a cooperação dos respetivos sistemas de defesa antimíssil e Obama tratava publicamente Medvedev como seu "amigo", numa altura em que o atual vice-presidente do Conselho de Segurança de Moscovo alternava na liderança do Kremlin com Vladimir Putin, que havia atingido o limite de mandatos sucessivos.

"Penso que a atual direção russa compreende que o futuro da Rússia está na cooperação estreita com a UE e a NATO", declarou o então secretário-geral da NATO, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, defendendo que era "melhor para todos, tanto para a Rússia, como para a NATO, gastar dinheiro no bem-estar das pessoas em vez de guerras mundiais destruidoras".

O clima era propício para vários líderes mundiais sepultarem em Lisboa décadas de confrontação entre os blocos inimigos: "A guerra fria acabou, a URSS acabou, o Pacto de Varsóvia acabou", sentenciou Sarkozy, que analisava que Medvedev era "diferente de Putin em 2008" e da posição do Kremlin na cimeira em Bucareste neste ano, opondo-se frontalmente ao alargamento da Aliança.

"O facto de estarmos a dialogar com a Rússia sobre a avaliação de risco e também sobre a possibilidade de vir a trabalhar em conjunto no sistema antimíssil é um passo essencial que vem demonstrar que a guerra fria de facto já acabou", comentou, no mesmo sentido, Angela Merkel.

O então líder do Kremlin, que atualmente se coloca na dianteira das ameaças ao bloco ocidental com as suas posições radicais, incluindo intimidação nuclear, parecia alinhar no ambiente de concórdia, não colocando de parte uma futura adesão de Moscovo à NATO, embora improvável.

"É um tópico aberto para debate se houver boa vontade e desejo", afirmou após uma reunião do Conselho NATO-Rússia associada à cimeira de Lisboa.

Mas a presença do líder russo no encontro de alto nível não era desprovida de perturbações, logo à cabeça o reconhecimento das regiões separatistas da Ossétia do Sul e da Abecásia, na Geórgia, que continua a dividir Ocidente e Moscovo.

Medvedev reconheceu que persistiam divergências na avaliação das autoproclamadas independências em 2008, reconhecidas por Moscovo, mas sublinhou que esse tema não deveria ser um obstáculo e declarou o fim das "relações frias" sobre este tema.

Também presente em Lisboa, o então Presidente da Geórgia, Mikhail Saakachvili, previa, por seu lado, que a adesão do seu país à NATO permaneceria na ordem do dia, mas ao mesmo tempo dizia que não tinha pressa. Catorze anos depois, Tbilissi está cada vez mais longe de Bruxelas.

Após dois mandatos e de mais de uma década sobre a cimeira de Lisboa, o ex-líder georgiano com fortes ligações à Ucrânia foi condenado a uma pena de seis anos de prisão por abuso de poder, num país que estava na rota de aproximação da União Europeia, mas que, nos últimos meses, parece ter voltado à esfera de influência do Kremlin, apesar da grande contestação popular.

As autoridades da Ucrânia, outro país ex-soviético, também marcaram presença na capital portuguesa, onde assinaram um decreto de criação de uma comissão para a parceria com Aliança Atlântica.

Mas a política de Kiev em relação à NATO tinha sofrido uma alteração significativa após a eleição de Victor Ianukovitch para o cargo de Presidente da Ucrânia, sucedendo a Victor Iuschenko, que defendia uma rápida adesão à Aliança Atlântica.

O alinhamento de Ianukovitch com Moscovo acabou por lhe custar o cargo quatro anos mais tarde, em resultado da revolução Euromaidan, que exigia a pertença de Kiev ao espaço do Ocidente e, já com Vladimir Putin regressado ao poder no Kremlin, acendeu o rastilho pró-russo no Donbass, no leste da Ucrânia, e serviu de pretexto para a anexação ilegal da península ucraniana da Crimeia.

As declarações de amizade em Lisboa seriam rapidamente trocadas por duras críticas entre o Ocidente e Moscovo, cujas tropas invadiram, em fevereiro de 2022, o país vizinho, conduzindo à degradação das relações entre a Aliança e o Kremlin para o seu pior nível desde o fim da guerra fria.

Há 14 anos, o novo conceito estratégico aprovado pelos 28 países-membros que constituíam a Aliança defendia a cooperação entre as duas partes tendo em vista a paz, estabilidade e segurança, e descartava qualquer ameaça russa, "esperando reciprocidade" de Moscovo.

O documento adotado na cimeira de Lisboa justificava que, apesar das diferenças em questões particulares, a segurança da NATO e da Rússia estavam "interligadas" e que uma parceria forte e construtiva baseada na confiança mútua e na transparência era o melhor caminho para a segurança comum.

No texto intitulado "Um compromisso ativo, uma defesa moderna" os aliados expressavam também o desejo de reforçar parcerias com a Ucrânia e com a Geórgia, tendo em conta "as orientações da Aliança e de cada um dos países" e facilitar a integração de países dos Balcãs Ocidentais.

Terminada a "cimeira histórica", como a definiu Anders Fogh Rasmussen, mas também pouco excitante para Barack Obama - "porque basicamente houve acordo em tudo" -, os líderes mundiais deixaram a capital portuguesa com a sensação de pacificação na sua frente leste, podendo focar-se na transição no Afeganistão, numa eventual ameaça iraniana, no terrorismo e no cibercrime.

No dia seguinte, o palco do Parque das Nações seria dado à estrela colombiana Shakira e à sua `tournée` "The sun comes out".

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