"Não ataquem uma central nuclear". O apelo do diretor da AIEA em visita a Kursk

por RTP
Rafael Grossi, diretor da AIEA, em visita à central atómica de Kurchatov, em Kursk, Rússia, agosto de 2024 Maxim Shemetov - Reuters

Rafael Grossi visitou esta terça-feira a central nuclear russa de Kurchatov, a poucos quilómetros da frente de guerra e alertou para os riscos de um confronto tão perto do complexo atómico. Situação que considerou "muito grave".

"No fim de contas, de novo, e isto pode parecer bom senso e simples: não ataquem uma central nuclear, de forma nenhuma", lembrou o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA).

Grossi tem repetido avisos para o perigo de combates igualmente em torno da central nuclear ucraniana de Zaporijhia, em Energodar, sob controlo russo desde março de 2022 e que sofreu um incêndio no início de agosto. Zaporijhia é a maior central atómica da Europa e Kiev e Moscovo trocaram acusações sobre a origem das chamas.

O avanço ucraniano em território russo iniciado há três semanas, duplicou entretanto a eventualidade de um desastre nuclear na região.

Para aferir as condições do complexo de Kurchatov e chamar a atenção global para o perigo, Rafael Grossi fez por isso questão de inspecionar o reator e a sala de controlo da central russa localizada a cerca de 70 quilómetros da fronteira com a Ucrânia. Encontrou tudo a funcionar em "condições muito próximas da normalidade".

O maior fator de risco é a guerra que se trava a menos de 50 quilómetros da central atómica, referiu o especialista de origem argentina, lembrando que a central está em funcionamento e que o reator está muito exposto a um possível ataque, sendo por isso o risco de um "incidente nuclear" ainda mais significativo.

Torna-se por isso crucial que ambas as partes adotem especiais medidas de contenção preventivas.
Riscos específicos
Kurchatov, identificado como central atómica do tipo RBMK, não beneficia de uma cúpula e da estrutura de proteção presentes na maioria das centrais atómicas.

"Isto quer dizer que o núcleo do reator que contém o material nuclear está protegido apenas por um telhado normal. Isso faz com com que esteja extremamente exposto e torna-o frágil, por exemplo, a um impacto de artilharia, ou um de um drone ou de um míssil", explicou.

"Isto é muito, muito importante. Se houver um impacto no centro, o material está lá e as consequências poderiam ser extremamente graves", apontou o argentino em declarações à imprensa internacional, no final da sua visita guiada pelas autoridades russas.

O risco é também acrescido pelo fato da central de Kursk estar em funcionamento, referiu Grossi. "O facto da central estar a funcionar pode significar algo ainda mais grave em termos de uma eventual ação contra ela".

Neste caso, "a temperatura é muito mais elevada e em caso de impacto ou algo que a possa afetar, poderiam surgir consequências graves", explicou aos jornalistas, concluindo que "pensamos ser muito grave que uma central desta tipologia esteja tão próxima de uma frente de guerra".
Manter o diálogo
Kurchatov terá já sofrido com o impacto de drones, cujos destroços foram mostrados ao responsável. "Fui informado sobre o impacto e mostraram-me os restos dos drones e sinais do impacto que tiveram", revelou o diretor da AIEA, sem apontar o dedo. A agência informou na passada quinta-feira que foram encontrados fragmentos de um `drone` a cerca de cem metros do armazém de combustível nuclear usado pela central, sem especificar a origem da aeronave.

A central atómica de Kursk opera com quatro reatores soviéticos do mesmo modelo usado pela centrak de Chernobyl, cenário do pior desastre nuclear civil de sempre em tempo de paz, em 1986.

Grossi, que lidera a AIEA desde 2019, reconheceu que seria um exagero comparar Kurchatov com Chernobyl, "mas este é o mesmo tipo de reator e não tem uma proteção específica. E isto é muito, muito importante".

O presidente russo Vladimir Putin acusou na semana passada a Ucrânia de tentar atacar. Kiev ainda não respondeu às acusações.


O diretor da agência das Nações Unidas para a Energia Atómica sublinhou que "o facto de termos atividade militar a poucos quilómetros torna isto imediatamente um foco de atenção", confirmando que tem estado em contacto com as autoridades russas de Kursk e que deverá encontar-se com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, na próxima semana.

"É importante falar", frisou, "manter o diálogo".

com agências
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