As redes sociais de Mark Zuckerberg baniram esta quinta-feira todas as páginas, publicações e conteúdos das forças de segurança de Myanmar, antiga Birmânia, incluindo os anúncios de empresas detidas pelos militares, citando "abusos excecionalmente graves dos direitos humanos e o risco evidente de violência futura iniciada pelos militares", além de um historial de violação das regras de publicação por parte do exército.
Numa publicação, o Facebook referiu: "acontecimentos desde o golpe de 1 de fevereiro, incluindo violência mortal, precipitaram a necessidade deste bloqueio". "Cremos que os riscos de autorizar a Tatmadaw [o exército birmanês] no Facebook e no Instagram são demasiado grandes", acrescentou.
A decisão contrasta com o uso permitido pela rede das ações de ativistas pró-democracia.
Cerca de metade dos 53 milhões de birmaneses têm conta no Facebook e
milhares têm recorrido às ligações VPN para conseguir acesso apesar dos bloqueios da internet, enquanto simples cidadãos e jornalistas, de telemóvel em punho, partilham vídeos e fotografias ou transmitem em streaming no Facebook Live tudo a que assistem nas ruas."Os cidadãos jornalistas e os media estão a publicar como podem", revelou Lon Zaung Htet, de 37 anos, à Agência Reuters.
Mesmo banido pela Junta Militar que derrubou a 1 de fevereiro o governo eleito, o Facebook transformou-se na principal plataforma de divulgação dos protestos diários contra o golpe de Estado, em resposta à censura imposta aos meios tradicionais de comunicação social.
"Isto é muito importante para o povo birmanês", explicou à Reuters Zayar Hlaing, um jornalista veteranos e antigo membro do Concelho de Imprensa de Myanmar.
"As pessoas necessitam de saber o que sucedeu, aonde e a quem, para poder decidir o que fazer".
Confrontos em RangunAo fim de três semanas de manifestações geralmente pacíficas e de uma campanha de desobediência civil e de greves, os manifestantes anti golpe militar enfrentaram pela primeira vez opositores à civil mas armados.
Os estudantes tinham planeado reunir-se na zona comercial de Rangun, a maior cidade do país e epicentro da oposição, mas a polícia bloqueou os portões do principal campus universitário da cidade, impedindo a saída. Ao mesmo tempo, levantou bloqueios de estrada, permitindo a passagem de cerca de mil apoiantes da Junta.
Estes invadiram a área escolhida para a manifestação, onde foram recebidos por manifestantes pró-democracia de braços cruzados e toques de panelas e tachos. Responderam de forma violenta.
Armados com facas, paus, fisgas e pedras, atacaram e espancaram vários grupos, especialmente fotógrafos, de acordo com testemunhos. Os confrontos escalaram e estenderam-se depois a outros locais da cidade.
Muitos dos ataques pareciam aleatórios. Vídeos mostraram que pelo menos duas pessoas foram esfaqueadas. Num incidente, vários homens atacaram outro à porta de um hotel, deixando-o estendido no chão entregue aos cuidados de socorristas de emergência, antes de prosseguirem caminho.
"Os acontecimentos de hoje mostram quem são os terroristas. Têm medo do apoio das pessoas à democracia", afirmou à Reuters o ativista Thin Zar Shun Leu Yi, prometendo que os protestos pacíficos contra a ditadura vão continuar. Até quarta-feira, pelo menos 728 pessoas foram detidas, acusadas ou condenadas em relação com as manifestações pró-democracia, de acordo com um grupo de defesa dos direitos humanos. Morreram pelo menos três manifestante e um polícia em confrontos.
Os birmaneses já esperavam a eclosão desta violência, uma velha estratégia militar, desde que a Junta anunciou uma amnistia a milhares de presos.
A violência nas ruas serve de pretexto para a intervenção musculada das forças de segurança, apesar de o líder militar, o general Min Aung Hlaing, afirmar que as autoridades estão a usar a força mínima.
Ao entardecer desta quinta-feira, dezenas de agentes da polícia de choque dispersaram com gás lacrimogéneo uma multidão que protestava contra a nomeação pela Junta de um responsável administrativo local.
Sanções internacionais
Myanmar está praticamente paralisado no braço de ferro entre militares e forças civis democráticas. A comunidade internacional tenta forçar o regresso à democracia e a libertação da líder do principal partido de oposição, Aung San Suu Kyi, oficialmente sob prisão domiciliária.
Esta quinta-feira, o Banco Mundial anunciou a suspensão de todos os pedidos de financiamento do país feitos após dia 1 de fevereiro.
Em carta enviada da diretora local da instituição, Mariam Sherman, ao ministro do Planeamento, das Finanças e da Indústria birmanês em funções, os fundos autorizados antes dessa data serão pagos diretamente a fornecedores, contratantes e consultantes, e poderão ser usados para "fins legítimos", pendendo eventuais devoluções posteriores.
Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico anunciou novas sanções contra seis altas patentes do exército, incluindo Min Aung Hlaing, elevando para 25 o total de personalidades militares castigadas. O Governo recomendou igualmente às empresas britânicas com negócios na antiga Birmânia que não negoceiem com congéneres detidas pelas forças de segurança de Myanmar.
"O pacote de medidas agora anunciado é uma mensagem clara ao regime militar em Myanmar, de que os responsáveis pela violação dos direitos humanos serão responsabilizados, e de que as autoridades têm de devolver o controlo a um Governo eleito pelo povo de Myanmar", afirmou o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros Dominic Raab, em comunicado.
A Junta Militar justificou a assunção do poder no início de fevereiro por os seus protestos de fraude nas eleições de 8 de novembro passado terem sido ignorados. Prometeu novas eleições, em data a anunciar, depois de rever as listas de candidatos e de formar uma nova comissão eleitoral. Entretanto, impôs um ano de estado de emergência.
"Respeitem o nosso voto"
A comissão eleitoral birmanesa garantiu que as eleições, ganhas por enorme vantagem pelo partido de San Suu Kyi, foram justas e os manifestantes rejeitam a necessidade de voltar às urnas. "Temos de rejeitar as tentativas dos militares para se legitimarem", explicou o ativista veterano Min Ko Naing.
A possibilidade de novas eleições tem sido admitida pela Associação de Nações do Sudoeste Asiático, ASEAN, de que Myanmar faz parte, de forma a resolver a crise.
A iniciativa está a ser liderada pela Indonésia, que propõe enviar monitores da ASEAN para acompanhar novas eleições e cujo ministro dos Negócios Estrangeiros, Retno Marsudi, se reuniu quarta-feira com o homólogo designado pela Junta, Wunna Maung Lwin, na Tailândia.
Retno mencionou apenas aos jornalistas "um processo de transição democrático inclusivo" e negou que o encontro com Wunna Maung Lwin significasse um reconhecimento da Junta.
Os ativistas birmaneses rejeitam o envio de monitores a nova votação, que consideram equivalente a dizer que as eleições de novembro não foram válidas. Quinta-feira, manifestante reuniram-se frente à embaixada da Tailândia em Rangun, gritando "respeitem o nosso voto".