Setenta anos depois, o mundo assinala o dia em que a América despejou a bomba Little Boy em Hiroshima, no Japão. Morreram mais de 75 mil pessoas a 6 de agosto de 1945. Outras 90 a 150 mil sucumbiram aos ferimentos e à radiação no ano seguinte. Depois de Nagasaki, a bomba atómica não voltou a ser usada. O perigo, esse, continua à espreita. Há cerca de 16 mil ogivas no mundo.
A capitalação nipónica apenas chegará a 15 de agosto de 1945, já depois de Washington pulverizar Hiroshima. O lançamento da primeira bomba nuclear aconteceu há precisamente 70 anos.
"Meu deus, que fizemos nós?"
Pouco passava da meia-noite de dia 6 de agosto de 1945 em Lisboa quando Little Boy foi largada nos céus de Hiroshima.
“Meu deus, que fizemos nós?”, viria a questionar-se o capitão Lewis. O cenário de devastação não deixa espaço a outra reação: uma gigantesca bola de fogo, com mais de mil metros de diâmetro, cobre a cidade do sul do Japão.
A bomba atómica transforma Hiroshima em cinzas e matou, naquele dia, mais de 75 mil pessoas. Ao todo, terá morto mais de 200 mil pessoas.
As ondas de choque atingem o próprio avião, enquanto os céus japoneses veem aparecer uma coluna de fogo que chega aos 12 mil metros de altura.
A bomba transformou Hiroshima em cinzas e matou, naquele dia, mais de 75 mil pessoas. Os números traduzem de forma fria a grandeza da tragédia. Uma dimensão que apenas fica completa nos dias seguintes, através dos relatos dos sobreviventes.
“Era um clarão súbito, branco, prateado”, revela Sunao Tsuboi à France Presse. Hoje com 90 anos, também ele não esquece o que aconteceu em Hiroshima.
O relato de Tsuboi nada tem a ver com as típicas fotografias de um cogumelo gigante a cobrir Hiroshima. Uma forma simplista face ao cenário devastador que os olhos de Tsuboi percecionaram e que a memória transforma agora em palavras.
Ao levantar-se depois da explosão, o sobrevivente conta que a camisola, as calças e fragmentos de pele flutuavam como se de trapos se tratassem. As veias, penduradas através das feridas, eram um dos lados visíveis da tragédia onde Tsuboi perdera um pedaço do ouvido.
“Não sei porque sobrevivi nem porque vivi tanto tempo. Quando mais penso nisso, mais doloroso é recordar”, aponta o sobrevivente, agora com 90 anos.
"O mundo tornou-se consciente"
As consequências ultrapassam os relatos do dia. Estima-se que entre 90 a 150 mil pessoas tenham morrido nos 365 dias seguintes, vítimas das feridas e da radiação. Depois de Hiroshima e Nagasaki, o mundo não voltou a usar a bomba nuclear em conflitos armados.
A Rússia lidera a lista com mais de 7.500 bombas nucleares, seguida dos Estados Unidos que terão mais de 7.100.
“O mundo tornou-se consciente das terríveis consequências. É de assinalar que 70 anos depois de Hiroshima, a arma nuclear nunca voltou a ser usada”, aponta Arne Westad à CNN, especialista da Universidade de Harvard nas relações entre os EUA e Ásia.
Apesar de tudo, o perigo espreita e é hoje muito superior ao das bombas que caíram em Nagasaki e Hiroshima. Estima-se que existam atualmente no mundo quase 16 mil ogivas nucleares, apontam os dados recolhidos por El Mundo.
A Rússia lidera a lista com mais de 7.500 bombas nucleares, seguida dos Estados Unidos, que terão mais de 7.100. As restantes potências estão bastante atrás. França (300), China (250), Reino Unido (225) e Paquistão (120) são os senhores que se seguem.
Os ensaios têm-se mantido ao longo dos anos. França, Índia, Paquistão e Coreia do Norte foram os últimos países a testar os efeitos destas explosões. Apesar de haver hoje menos 25 por cento de ogivas nucleares em relação aos anos 80, acredita-se que Washington e Moscovo tenham, cada uma, 1.800 bombas prontas a lançar. Os efeitos poderiam ser ainda mais devastadores do que os de Hiroshima.
"Debaixo da almofada"
A bomba russa Tzar, a mais potente arma nuclear alguma vez detonada, ensaiada pelos russos no Ártico, tem uma potência 1.500 vezes superior à Little Boy que explodiu em Hiroshima.
Como relata El Mundo, o mundo acabou por se habituar a viver com “a bomba nuclear debaixo da almofada”. Manteve a racionalidade de não voltar a utilizá-la com fins militares e de tentar evitar o seu desenvolvimento por outras potências, nomeadamente Teerão.
“Rezo para que o Homem não faça mais guerra e para que todos possam viver em paz”, desabafava uma sobrevivente de Hiroshima nas comemorações oficiais que decorreram esta quinta-feira no Japão. O recrudescimento dos extremismos e os diferendos bilaterais têm, no entanto, alertado o mundo. Tóquio não é exceção.
Apesar de haver hoje menos 25 por cento de ogivas nucleares em relação aos anos 80, acredita-se que Washington e Moscovo tenham, cada uma, 1.800 bombas prontas a lançar.
Nas cerimónias oficiais, o primeiro-ministro traçou a responsabilidade do Japão em “criar um mundo sem armamento nuclear”, face ao seu estatuto de “único país atingido pela bomba atómica”.
Setenta anos depois de Hiroshima, os japoneses desconfiam das palavras de Shinzo Abe.
“Nunca deverá repetir os erros que o Japão cometeu”, pediram os sobreviventes ao primeiro-ministro nacionalista. “O nosso compromisso contra a guerra, o caminho pacifista escolhido pelo nosso país não mudarão nunca”, replicou Abe, sem conseguir acalmar a preocupação dos sobreviventes.
Em causa está a tentativa do Governo japonês em reinterpretar a Constituição nipónica. O documento, fundamentalmente pacifista, foi redigido durante a ocupação norte-americana.
Ao promover a sua reinterpretação, Abe tenta reforçar o papel militar de Tóquio na cena internacional. Uma ideia mal vista por muitos japoneses, ainda feridos perante a tragédia da II Guerra Mundial.
Setenta anos depois, os sobreviventes não esquecem. O mundo também não pode esquecer.