Mortes de 72 pessoas em incêndio na Torre Grenfell "eram todas evitáveis", conclui relatório

por Joana Raposo Santos - RTP
O incêndio da Torre Grenfell começou atrás de um frigorífico num apartamento do quarto andar. Em cerca de 30 minutos, o fogo propagou-se até ao 24.º andar. Foto: Tolga Akmen - Reuters

O presidente do inquérito ao incêndio da Torre Grenfell, que matou 72 pessoas em 2017, disse esta quarta-feira que todas as mortes eram evitáveis e que as vítimas foram gravemente prejudicadas. O documento apontou as culpas não só a empresas de arquitetos e de construção, como às autoridades locais e ao Governo do ex-primeiro-ministro David Cameron.

"A simples verdade é que as mortes que ocorreram eram todas evitáveis, e aqueles que eram responsáveis por garantir a segurança do edifício e seus ocupantes falharam gravemente durante vários anos e de diferentes maneiras àqueles que viviam na torre”, frisou o líder do inquérito, Martin Moore-Bick.

O documento de 1.700 páginas conclui que o desastre de 2017 foi o resultado de "décadas de fracasso" do Governo central para impedir a propagação de revestimentos combustíveis, combinados com a "desonestidade sistemática" de empresas multimilionárias cujos produtos contribuíram para alastrar o fogo que matou 72 pessoas.

O incêndio da Torre Grenfell começou atrás de um frigorífico num apartamento do quarto andar. Em cerca de 30 minutos, o fogo propagou-se através do sistema de revestimento combustível até ao 24.º andar. Algumas vítimas caíram das janelas, mas a maioria morreu encurralada pelo fumo e pelas chamas nos andares superiores. Quinze das vítimas mortais possuíam deficiências.

O relatório, elaborado ao longo de sete anos, denuncia o envolvimento de três empresas - Arconic, Kingspan e Celotex – em "estratégias deliberadas e sustentadas para enganar o mercado".

Além destas entidades, a responsabilidade pelo incêndio é também amplamente atribuída aos arquitetos da empresa Studio E, aos construtores da Rydon e Harley Facades e ao departamento de controlo de construção do Royal Borough of Kensington and Chelsea.

O Studio E demonstrou "uma atitude arrogante em relação aos regulamentos que afetam a segurança contra incêndios". O facto de não ter reconhecido que os painéis cheios de plástico no arranha-céus eram perigosos não foi a ação de um "arquiteto razoavelmente competente" e "tem um grau de responsabilidade muito significativo pelo desastre", concluiu o inquérito.
Governo estava "bem ciente" dos riscos
O inquérito foi também crítico em relação à organização de gestão de inquilinos nomeada pela autoridade local, o Royal Borough of Kensington and Chelsea, para cuidar dos seus milhares de casas mas que, segundo o relatório, ignorou sistematicamente as opiniões dos residentes.

O diretor executivo da organização de gestão de inquilinos, Robert Black, estabeleceu um "padrão de dissimulação (...) em relação a questões de segurança contra incêndios" e a entidade "tratou as exigências da gestão da segurança contra incêndios como um inconveniente", "traindo as suas obrigações para com os inquilinos", denuncia o relatório.
O relatório implicou sete anos e 400 dias de provas, custando aos contribuintes britânicos mais de 200 milhões de libras.
Algumas das conclusões mais condenatórias foram, ainda assim, dirigidas ao Governo central, que regulamenta a segurança dos edifícios mas falhou em conseguir tornar mais rigorosos os regulamentos ambíguos em matéria de incêndios.

É, inclusivamente, referida uma "fogueira de burocracia" lançada pelo primeiro-ministro conservador David Cameron, de 2010 a 2016, numa tentativa de impulsionar a economia após a crise financeira global.

Segundo o relatório, o Governo estava “bem ciente” dos riscos representados pelos revestimentos altamente inflamáveis, “mas não atuou de acordo com o que sabia”.

Eric Pickles, secretário da Habitação de David Cameron até 2015, "apoiou entusiasticamente" o esforço do primeiro-ministro para reduzir os regulamentos e isso dominou o pensamento do seu departamento, na medida em que as questões que afetam a segurança contra incêndios e o risco de vida "foram ignoradas, atrasadas ou desconsideradas", concluíram os investigadores.
PM Keir Starmer pede desculpa
O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, veio já pedir desculpa em nome do Estado, afirmando que a tragédia do incêndio na Torre Grenfell de 2027, em Londres, "nunca deveria ter acontecido" e prometendo justiça às vítimas.

"O país falhou no seu dever mais fundamental: proteger-vos e aos vossos entes queridos, as pessoas que é suposto servirmos. E por isso lamento profundamente", afirmou.

Apesar de o inquérito ter sido apresentado esta quarta-feira, o Ministério Público ainda não tomou qualquer decisão de acusação e os julgamentos só deverão ter início em 2027.

Os detetives do Departamento de Investigação Criminal da Polícia Metropolitana afirmaram que iriam passar entre 12 a 18 meses a analisar os resultados do inquérito "linha a linha" antes de apresentarem eventuais acusações. Estas podem incluir homicídio coletivo, homicídio por negligência grave, fraude, perversão do curso da justiça e má conduta em funções públicas.

c/ agências
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