Mortalidade infantil e materna sobe no sul da Ásia com efeitos colaterais da pandemia

por Inês Moreira Santos - RTP
Farooq Khan - EPA

Diariamente são reportados os novos casos e o número de vítimas mortais da Covid-19, mas a quantidade de pessoas afetadas indiretamente pela pandemia pode ser bastante superior ao que sabemos. Esta quarta-feira, as Nações Unidas revelaram que, com a suspensão de serviços de saúde nos últimos meses, podem ter morrido cerca de 239 mil crianças e mulheres grávidas no sul da Ásia.

Encomendado pela Unicef, o relatório indica que a pandemia da Covid-19 pode ter contribuído indiretamente para o aumento da mortalidade moderna e infantil no sul da Ásia em 2020. Segundo o documento registaram-se "reduções drásticas no acesso e uso de serviços essenciais de saúde pública" em países como a Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh, Afeganistão e Sri Lanka, onde vivem, no total, 1,8 mil milhões pessoas.

"Nas últimas décadas, foram notáveis os progressos ​​na melhoria da saúde de mães e crianças do sul da Ásia", como recorda a Unicef. Mas, à semelhança do que aconteceu no resto do mundo, a pandemia afetou, em 2020, esta região, tendo "impactos importantes e múltiplos - diretos e indiretos".

"Um dos impactos indiretos críticos tem sido as graves interrupções na entrega e no acesso a serviços de rotina, incluindo serviços essenciais de saúde e nutrição", explica Sun Ah Kim, diretora responsável da Unicef na região, citada no relatório.

Um dos problemas é que os sistemas de saúde, que já estavam sobrecarregados na região, não estavam preparados para se ajustar rapidamente a esta nova realidade. Dessa forma, "mulheres e crianças começaram a deparar-se com "limitações no acesso às instituições" de saúde.

A conclusão, segundo a Unicef, é que a pandemia trouxe "mais mortes e mais doenças", principalmente "às mulheres e crianças mais vulneráveis".
Mulheres e crianças foram os mais afetados

A maioria dos países, incluindo os da região do sul da Ásia, tentou combater a Covid-19 aplicando várias restrições e suspendendo serviços e atividades.

De acordo com este estudo da agência das Nações Unidas para a defesa dos direitos das crianças, registaram-se cerca de 228 mil mortes a mais de crianças com menos de cinco anos nestes países, devido à suspensão dos serviços essenciais - de saúde e sociais, que garantiam também a nutrição e imunização de muitas famílias. Estes dados são baseados em mudanças reais observadas e na comparação dos valores atuais com dados pré-pandemia do sul da Ásia, onde, só em 2019, morreram 1,4 milhões de crianças com menos de cinco anos, das quais quase dois terços (63 por cento) eram recém-nascidas.

O relatório revela ainda que se registaram menos 80 por cento de crianças em tratamento para a desnutrição grave no Bangladesh e no Nepal, e que a vacinação infantil - contra a difteria, o tétano e a tosse convulsa - desceu 35 por cento na Índia e 65 por cento no Paquistão.

Para agravar, os dados indicam que a mortalidade infantil na Índia aumentou 15,4 por cento e no Bangladesh 13 por cento. Já a mortalidade materna aumentou 21,5 por cento no Sri Lanka e 21,3 por cento no Paquistão.

Embora muitas das restrições já tenham sido levantadas, o número de pessoas que utilizam os serviços de saúde diminuiu, detetaram os investigadores da ONU.

"O declínio desses serviços essenciais teve um impacto devastador na saúde e nutrição das famílias mais pobres", afirma o diretor regional da Unicef, George Laryea-Adjei, no relatório. "É absolutamente vital que esses serviços sejam totalmente restabelecidos para crianças e mães que precisam desesperadamente deles e que tudo seja feito para que as pessoas se sintam seguras quando usam esses serviços", acrescentou.
Mortalidade pode aumentar em todo o mundo
De acordo com os autores deste estudo, "a interrupção da prestação e acesso aos serviços de saúde e o aumento da insegurança alimentar podem levar a mais  253.500 mortes infantis e mais 12.200 mortes maternas, em todo o mundo".

Neste contexto, os efeitos da pandemia no sul da Ásia pode levar a um aumento entre os 18 e os 40 por cento na mortalidade infantil e entre os 14 e os 52 por cento na mortalidade materna, em 2021.

Mas há ainda mais dois indicadores que preocupam os especialistas: a falta de acesso à educação e as gravideses indesejadas na adolescências.

Cerca de 420 milhões de crianças no sul da Ásia foram privadas de educação devido à Covid-19, acrescenta o relatório. A Unicef alerta ainda que cerca de nove milhões de crianças correrem o risco de nunca mais voltar à escola, sendo a maioria raparigas.

A ONU revela que a pandemia também terá provocado quase 11 mil mortes maternas e 3,5 milhões de gravidezes indesejadas, nos últimos meses, devido à falta de acesso aos cuidados de saúde maternos e até de contraceção entre os jovens.

O problema é que esta situação ameaça promover o aumento de casamentos infantis e aumentar em cerca de 400 mil o número de gravidezes de adolescentes, assim como fazer crescer o número de mortes maternas e neonatais ou mesmo provocar uma subida da taxa de crianças com atrasos de desenvolvimento.

"O abandono da escola está associado ao casamento precoce, especialmente para as meninas", esclarece o relatório, que acrescenta que "há provas de que o número de gravidezes na adolescência aumentou durante os últimos meses com o encerramento das escolas".

Com os dados em questão, os especialistas prevêem que os casos de gravidez na adolescência aumente 28 por cento no próximo ano, com as restrições da Covid-19. Em consequência, estimam que também o risco de mortalidade neonatal aumente nove por cento e o nascimentos de bebés desnutridos aumente 42 por cento.

As restrições e a suspensão dos serviços de saúde afetou também, frisa o documento, todas as pessoas que sofrem de outras doenças, estimando-se cerca de seis mil mortes a mais na região de adolescentes que não tiveram acesso a tratamentos contra a tuberculose, a malária, a febre tifóide e a HIV/SIDA.

Embora a maioria deste países ainda esteja a enfrentar a pandemia e aumentos diários de casos de infeção, os governos já aliviaram algumas restrições e retomaram os serviços de saúde. Mas o efeito direto e indireto da pandemia - e dos confinamentos - está apenas a começar a ser conhecido, à medida que os países analisam e tentam equilibrar os serviços de saúde e educação públicos.
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