Em direto
Euro2024. Roménia e Países Baixos lutam por lugar nos oitavos de final

Morreu McGovern, o anti-belicista que queria ser presidente dos EUA

por RTP
CLIFF OWEN

O senador George McGovern ganhou em 1972 as primárias do Partido Democrático com um porgrama contra a guerra do Vietname e disputou a presidência a Richard Nixon. Mas, pelos padrões de qualquer dos dois grandes partidos, era um candidato presidencial atípico e, durante décadas, foi apontado como um exemplo de "esquerdista". A realidade era bem mais complexa do que esse rótulo.

Nascido em 1922, George McGovern foi piloto de um bombardeiro durante a Segunda Guerra Mundial e levou a cabo dezenas de missões de combate na frente europeia. Numa delas, o seu avião foi atingido, o artilheiro foi morto, mas McGovern conseguiu aterrar precariamente numa ilha do Adriático. Foi condecorado pela proeza.

Ao regressar doutorou-se em História, foi professor na Northwestern University e acabou por dedicar-se à política, ao ser eleito senador em 1962. Em 1968, quando o candidato presidencial democrático, Robert Kennedy, foi assassinado, disputou pela primeira vez a nomeação pelo partido, mas perdeu a partida para Hubert Humphrey. Em 1972 voltou à carga e ganhou, enfim, as primárias.

A originalidade de McGovern, que o colocava para além do habitual consenso transpartidário, era a sua oposição à guerra do Vietname. Recorde-se que a escalada do envolvimento norte-americano vinha já do presidente democrático John F. Kennedy, acelerara ainda sob o seu sucessor Lyndon B. Johnson, e viria a culminar sob o presidente republicano Richard Nixon. McGovern opunha-se, assim, a Nixon mas também aos seus correligionários democratas.

A campanha de McGovern convergiu com o vasto movimento anti-guerra e envolveu alguns estreantes com futuro - entre eles o casal Clinton, então na casa dos vinte anos. Vários conselheiros de McGovern pediam-lhe que usasse intensamente na campanha o seu curriculum de piloto condecorado da Guerra Mundial, mas este recusou. Desenhava-se, com uma antecipação de quarenta anos, a mesma polémica que veio a envolver mais tarde os entusiastas da invasão do Iraque - os chamados "falcões-galinha", Bush, Cheney e outros, na sua história de vida refactários ao serviço militar no Vietname.

McGovern foi cilindrado nas urnas e Nixon pôde tomar posse para o execício do seu segundo mandato - que no entanto não levou até ao fim, devido ao escândalo Watergate. De qualquer modo, a dimensão da derrota sofrida ficou para o futuro como espantalho, sempre agitado pelos republicanos, e também pelos democratas contra qualquer veleidade de aprovar novamente algum programa anti-guerra nas primárias do partido.

McGovern também foi fazendo algum jus à sua fama de "esquerdista", opondo-se no Senado à invasão do iraque e mesmo à invasão, menos impopular, do Afeganistão.

Curiosamente, contudo, nas primárias que opuseram Hillary Clinton a Obama, os habituais apoiantes de McGovern colocaram-se ao lado de Clinton contra Obama - portanto numa posição geralmente considerada mais "à direita".

E o proprio McGovern, em entrevista concedida ao New York Times em 2005, e hoje republicada, contestava aquela fama de "esquerdista" que lhe fora criada: "Sempre me vi como um bom velho rapaz do Dakota do Sul que cresceu aqui na pradaria. O meu pai era um ministro metodista. Fui à guerra. Tenho estado sempre casado com a mesma mulher. Sou o que idealmente devia ser um americano normal e saudável".

Na mesma entrevista, McGovern atribuía a dimensão da derrota de 1972 à imagem anti-guerra da sua campanha, que sobrepujava esta outra imagem de normalidade: "Provavelmente não fizemos o suficiente para cultivar esta imagem. Estávamos mais interessados em acabar com a guerra do Vietname, e em tirar as pessoas da pobreza e em sermos justos para com as mulheres e as minorias e em salvar o meio ambiente. Era uma campanha orientada para os temas, e devíamos ter prestado mais atenção à imagem".
pub