Morreu José Eduardo dos Santos, ex-presidente de Angola

por Andreia Martins - RTP
Herculano Coroado - Reuters

O ex-presidente de Angola tinha 79 anos e estava internado numa unidade de cuidados intensivos em Barcelona, Espanha. A informação foi confirmada pela Presidência da República angolana. O atual presidente, João Lourenço, declarou cinco dias de luto nacional.

José Eduardo dos Santos morreu esta sexta-feira a pouco mais de um mês de completar 80 anos. Foi presidente de Angola entre 1979 e 2017, tendo sido um dos líderes mundiais com maior longevidade. Estava internado numa clínica em Barcelona, Espanha, há duas semanas, cidade onde era acompanhado há vários anos devido a sucessivos problemas de saúde.

"O Executivo da República de Angola leva ao conhecimento da opinião pública nacional e internacional, com um sentimento de grande dor e consternação, o falecimento de Sua Excelência o ex-Presidente da República, Engenheiro José Eduardo dos Santos, ocorrido hoje às 11h10 (10:10 em Lisboa), (...) após prolongada doença", pode ler-se no comunicado.

A Presidência angolana apresenta "profundos sentimentos de pesar" e apela `à "serenidade de todos neste momento de dor e consternação".

"O Executivo da República de Angola inclina-se, com o maior respeito e consideração, perante a figura de um estadista de grande dimensão histórica, que regeu durante muitos anos com clarividência e humanismo os destinos da Nação Angolana, em momentos muito difíceis", lê-se ainda no comunicado, divulgado através das redes sociais.

João Lourenço, atual presidente do país, declarou cinco dias de luto nacional na sequência da morte de José Eduardo dos Santos, com início este sábado.

José Eduardo dos Santos foi o segundo presidente de Angola do pós-independência e liderou o país nos conturbados anos da guerra civil, que se estendeu até 2002.

Chegou ao poder após a morte de Agostinho Neto, o primeiro presidente de Angola, em 1979, e assumiu as rédeas do Movimento de Libertação de Angola (MPLA) e do país nas quatro décadas que se seguiram. 

José Eduardo dos Santos, também conhecido como 'Zedu', nasceu em Luanda a 28 de agosto de 1942. Deu os primeiros passos na política ainda na escola, opondo-se ao poder colonial português então vigente. Em 1961, quando eclode a guerra da independência, José Eduardo dos Santos já estava nos quadros do MPLA.
A ascensão no partido e a guerra
Inicialmente com funções burocráticas, juntou-se aos combates no mato contra os portugueses quando tinha 21 anos. Em 1963, dois anos depois, recebeu uma bolsa de estudo e viajou para Baku, então território da União Soviética.

Formou-se em engenharia industrial em 1969 e voltou depois a Angola com um cargo de relevo no MPLA na região de Cabinda. Em 1975, com Angola prestes a declarar-se país independente, Agostinho Neto escolheu José Eduardo dos Santos para integrar o Comité Central do partido.

Foi então nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros - o primeiro chefe da diplomacia do novo país independente -  e desempenhou um papel de relevo para o reconhecimento do MPLA nos palcos internacionais. Importa salientar que, na altura, o partido controlava a capital, Luanda, mas lutava com outras forças políticas e militares - nomeadamente a UNITA e a FNLA - que detinha partes muito significativas do território angolano.

A guerra civil angolana ficou profundamente marcada pelo contexto internacional da Guerra Fria. Se o MPLA se considerava mais próximo da União Soviética, a UNITA de Jonas Savimbi era apoiada pelos Estados Unidos e África do Sul.

Nos anos que antecederam a ascensão de José Eduardo dos Santos, o próprio MPLA viveu também um ambiente de forte divisão interna que opunha Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos a um membro do Comité Central, Nito Alves, com o apoio de José Van-Dunem [irmão da ex-ministra portuguesa da Justiça, Francisca van Dunem].

Nito Alves e José Van-Dunem acabaram por ser assassinados na sequência de uma purga por parte das forças governamentais a 27 de maio de 1977. De acordo com a Amnistia Internacional, terão morrido cerca de 30 mil pessoas.

Ainda antes de chegar por fim a presidente, foi vice-primeiro-ministro e ministro do Planeamento no Governo de Agostinho Neto. Com a morte do primeiro presidente angolano, chega ao poder quando decorriam os primeiros anos de guerra civil.
Do regresso aos conflitos ao boom petrolífero

Conhecido pelos seus pares no MPLA como "arquiteto da paz", Eduardo dos Santos foi a grande figura de peso de uma Angola independente mas em guerra. Ao fim de vários anos de conflito interno, assina com Jonas Savimbi, em setembro de 1991, o Acordo de Bicesse, com o qual se estabelecia um cessar-fogo, a constituição de um exército único e a realização de eleições gerais.

No ano seguinte, em setembro de 1992, o MPLA vence as eleições legislativas e a UNITA fica em segundo lugar. Nas presidenciais, José Eduardo dos Santos foi o mais votado, com 49 por cento na primeira volta. Savimbi declara as eleições fraudulentas e recomeçam os confrontos violentos.

A guerra só termina finalmente em abril de 2002 com a morte de Jonas Savimbi e a assinatura de um novo acordo de paz. Em 27 anos de conflito interno terão morrido mais de 500 mil pessoas, incluindo militares e civis.

A segunda fase dos 38 anos de presidência, entre o final da guerra civil e 2017, fica marcada pela exploração massiva de petróleo, a que se seguiram acusações de nepotismo e corrupção.

Se a economia angolana cresceu exponencialmente, a nova riqueza de Angola fez pouco pelas classes sociais mais desfavorecidas e engrandeceu o poder de José Eduardo dos Santos, da família e das figuras mais próximas do presidente.

Na reta final da presidência, José Eduardo dos Santos enfrentou protestos inéditos no país, com o rapper Luaty Beirão e o jornalista Rafael Marques, entre outros, a ocuparem a linha da frente de contestação. O poder em Luanda seria acusado de repressão e censura por várias organizações internacionais.

Em 2017, de forma surpreendente, Eduardo dos Santos saiu de cena ao fim de 38 anos como presidente. Designou um sucessor inesperado, João Lourenço, que desencadeou uma campanha de anticorrupção que levaria, inclusive, à detenção de um dos filhos do ex-presidente.
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