O subsecretário-geral da ONU Jorge Moreira da Silva transmitiu hoje ao Papa Francisco as dificuldades que as Nações Unidas encontram para prestar ajuda humanitária em Gaza, tendo o pontífice expressado o seu "grande apreço" pelos esforços da organização.
Moreira da Silva, que lidera desde abril de 2023 o Gabinete das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS), que tem a seu cargo um mecanismo para facilitar, coordenar, monitorizar e verificar remessas de ajuda humanitária para Gaza, foi hoje recebido pelo Papa numa audiência privada no Vaticano, centrada na necessidade de uma resposta urgente aos conflitos mundiais e à crise climática.
Em declarações à Lusa por telefone depois da audiência, Jorge Moreira da Silva indicou que teve oportunidade de "apresentar e discutir as atividades da UNOPS em países como a Ucrânia, Myanmar, Afeganistão, Gaza, Líbano, Iémen, Sudão, Haiti e Moçambique (Cabo Delgado), e, nesse âmbito, discutir as várias atividades que a UNOPS vai realizando na ajuda humanitária, na resposta de emergência, na reconstrução e na promoção da paz".
O diretor-executivo da UNOPS revelou que, "tendo em conta o atual contexto, uma grande parte da conversa desenvolveu-se em torno da situação em Gaza e do papel que a UNOPS vai realizando", tendo tido "oportunidade de partilhar com o Papa Francisco a enorme preocupação quanto ao facto de a ajuda humanitária não estar a conseguir chegar à população mais vulnerável".
Assinalando que "a própria capacidade das Nações Unidas para operar em condições de segurança tem vindo a diminuir", tendo mesmo "muitos funcionários das Nações Unidas já perdido a vida", Moreira da Silva e o Papa discutiram "a absoluta necessidade de assegurar que existe um integral respeito pelo direito internacional humanitário".
De acordo com Moreira da Silva, "o Papa Francisco obviamente estava muito interessado em ouvir o papel da UNOPS na gestão do mecanismo de coordenação de ajuda humanitária" e "em conhecer de uma forma muito concreta esta operação logística de ajuda humanitária", atendendo a que a agência que dirige, a quinta maior das Nações Unidas, é aquela que, por atribuição do secretário-geral António Guterres, faz a gestão do mecanismo criado para tornar "mais célere, menos burocrática e mais eficaz a entrada de ajuda em Gaza".
"E, de facto, nos últimos oito meses, desde que este mecanismo foi desenvolvido, tem sido mais rápida a aprovação da ajuda, tem sido mais rápida a capacidade de trazer a ajuda do exterior até à fronteira em Gaza, mas a verdade, e tive oportunidade de transmitir isto ao Papa Francisco, como tenho tido oportunidade de transmitir em todos os encontros internacionais [...], o grande problema está na dificuldade de fazer chegar a ajuda dentro de Gaza a quem mais precisa, porque o conflito, os bombardeamentos não permitem que isso aconteça", explicou.
O subsecretário-geral da ONU vincou que "as autorizações de circulação [dos camiões de ajuda] por parte de Israel não têm permitido que a ajuda chegue àqueles que mais precisam", além da "própria circunstância de os funcionários das Nações Unidas se sentirem ameaçados e vulneráveis, com muitos incidentes que põem em causa a capacidade para operar", havendo agora também "a circunstância de a ajuda estar a ser alvo de desvio e de roubo".
"Tudo está relacionado com o mesmo: a falta de condições de segurança para operar em Gaza", reforçou.
Escusando-se a dar conta das posições transmitidas durante o encontro pelo líder da Igreja Católica, Jorge Moreira da Silva disse ainda assim poder "partilhar que, de facto, [o Papa] expressou um enorme agradecimento às Nações Unidas e ao papel que a ONU está a fazer no terreno, nos países em desenvolvimento e em especial no conflito em Gaza".
O Papa Francisco também expressou "a sua preocupação com o respeito pelo direito internacional e humanitário e a garantia de que a população consegue ter acesso a toda a ajuda humanitária que é necessária, posição que tem tornado pública de uma forma veemente praticamente quase todos os dias", prosseguiu Moreira da Silva, apontando que o pontífice "transmitiu esta solidariedade para com os funcionários da ONU e o grande apreço que tem pelo papel que as Nações Unidas estão a desenvolver".
Entre outros temas abordados na audiência, que classificou como "muito gratificante", o responsável da ONU indicou que também houve oportunidade de "conversar longamente sobre o tema das alterações climáticas", lembrando que o Papa Francisco "tem sido uma voz corajosa, uma voz inconformista e inconformada neste tema".