Debaixo de apertadas medidas de segurança, o candidato presidencial Venâncio Mondlane chegou esta quinta-feira à capital moçambicana, ao cabo de quase três meses a promover a partir do estrangeiro a contestação aos resultados das últimas eleições gerais. Diante dos jornalistas que o aguardavam em Maputo, propôs-se "quebrar a narrativa" de estar "ausente por vontade própria". E denunciou o que descreveu como "genocídio silencioso".
“Apesar de vocês conhecerem todos os condicionalismos que me levaram a estar fora do país, eu tinha que quebrar essa narrativa de que estou ausente por vontade própria das iniciativas de diálogo. Estou aqui presente, em carne e osso, para dizer que se querem dialogar comigo, estou aqui. Então acabem com essa narrativa”, insistiu. Mondlane alegou em seguida que “o regime optou por uma estratégia de criar uma espécie de um genocídio silencioso”: “As pessoas estão a ser sequestradas nas suas casas, as pessoas estão a ser executadas extrajudicialmente nas matas, estão a ser descobertas valas comuns com supostos apoiantes de Venâncio Mondlane, há um crescimento geométrico de assassinatos”.
“Eu acho que não posso estar ao fresco, bem protegido, quando o próprio povo que está no suporte da minha candidatura está a ser massacrado. Estou aqui para testemunhar isso, justamente para monitorar esse processo, para visitar as valas comuns, para gritar a favor desses moçambicanos que estão a ser assassinados”, acentuou.Segundo Mondlane, o retorno a Moçambique abre uma nova fase da contestação aos resultados das eleições gerais de 9 de outubro, que batizou como ponta de lança. “Se me quiserem assassinar, assassinem. Se quiserem prender-me, prendam. Sei que na minha queda a fúria popular que se vai verificar em Moçambique não tem comparação na história de África e de Moçambique”, clamou.
“O terceiro objetivo: eu estou aqui em Moçambique porque também me disseram que há uma narrativa de uma série de responsabilidades criminais que recaem sobre mim e que eu não queria responder por essas acusações e portanto estava fora do país. Venho aqui mostrar que estou disponível para me defender perante a justiça e a provar quais são os verdadeiros culpados dos crimes hediondos que aconteceram até hoje”, prosseguiu Venâncio Mondlane.
Questionado sobre se está disposto a aceitar os resultados eleitorais, Mondlane retorquiu que não o fará “se forem os mesmos que foram anunciados até este momento”.
Violência pós-eleitoral
Nas horas que antecederam a chegada de Venâncio Mondlane à capital moçambicana, foi lançado gás lacrimogéneo e ecoaram disparos nas imediações do aeroporto. Pelo menos um dos manifestantes terá morrido. Tiago Contreiras - correspondente da RTP em Maputo
Sucessivos episódios de confrontos entre polícia e manifestantes, desde 21 de outubro, fizeram já perto de 300 mortos. Mais de 500 pessoas terão sido atingidas a tiro, de acordo com organizações da sociedade civil.À saída do aeroporto de Maputo, Venâncio Mondlane autoproclamou-se "presidente eleito pelo povo".
O Conselho Constitucional de Moçambique marcou para 15 de janeiro a tomada de posse do novo presidente, que sucede a Filipe Nyusi. A 23 de dezembro, esta instância proclamou Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frelimo, no poder, como o vencedor da eleição presidencial, com 65,17 por cento dos votos, assim como a vitória da partido, que conserva a maioria parlamentar.
Este anúncio deu lugar a mais confrontos, destruição de património público e privado, manifestações, paralisações e pilhagens. O quadro pareceu acalmar na última semana.
c/ Lusa