Moçambique. ONG considera acordo prejudicial ao país

por Lusa

O Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização não-governamental (ONG) moçambicana, considerou que o acordo sobre o caso "dívidas ocultas" com três credores "prejudica o Estado (...), para proteger líderes da Frelimo", partido no poder.

Na segunda-feira, o ministro da Economia e Finanças de Moçambique, Max Tonela, anunciou um acordo extrajudicial com três bancos, incluindo o português BCP, no litígio em Londres sobre as dívidas ocultas, prevendo a redução da "exposição do Estado" de 1,4 mil milhões de dólares (1,3 mil milhões de euros) para 220 milhões de dólares (204,5 milhões de euros).

"A resolução extrajudicial reduz a exposição do Estado para 220 milhões de dólares, ou seja, um corte de 84% do total da reivindicação dos bancos [e de 66% do capital]", disse Tonela, numa conferência de imprensa.

"Tendo em conta o não reconhecimento das dívidas, o CDD entende que a posição do Governo de entrar em negociações com os credores é contraditória e prejudica o Estado de direito democrático", refere-se num comunicado daquela organização.

As "dívidas ocultas" foram declaradas nulas pelo Conselho Constitucional (CC) moçambicano e o acordo com os credores visa proteger interesses daqueles que endividaram o Estado, incluindo o atual Presidente da República, Filipe Nyusi, que era ministro da Defesa, quando os empréstimos foram contraídos, prossegue-se na nota.

O "calote" foi um projeto de corrupção envolvendo altos dirigentes do Estado, incluindo dos serviços secretos.

"Pelo menos dois ministros, incluindo o atual Presidente da República, Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, [e o então ministro das Finanças, Manuel Chang], estão envolvidos no calote", sublinhou o CDD. 

A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder), também beneficiou do esquema, recebendo dez milhões de dólares (9,2 milhões de euros), recorda aquela ONG, citando documentos da acusação norte-americana num processo ligado ao caso das "dívidas ocultas".

"Quer no julgamento de Maputo, quer no julgamento de Londres, os processos iniciaram com o fundamento de não reconhecimento das dívidas, porque contraídas ao arrepio da legislação nacional, com recurso a subornos para alimentar um esquema de corrupção", enfatizou a ONG.

A estratégia do Governo, continua-se no comunicado, pode passar por evitar a exposição de Filipe Nyusi e do grupo  envolvido no escândalo, com a divulgação de mais informação, como aconteceu nos EUA.

Na conferência de imprensa em que anunciou o acordo extrajudicial com os três bancos, o ministro da Economia e Finanças afirmou que "a responsabilidade potencial do Estado, neste processo, incluindo tanto o capital como os juros, situar-se-ia em cerca de 1,4 mil milhões de dólares, com juros continuando a acumular-se, além de custas estimadas na ordem de 50 milhões de libras [cerca de 59 milhões de euros], na eventualidade de perder a causa".

O acordo anunciado na segunda-feira foi alcançado com o Banco Comercial Português (BCP), que só participou no empréstimo à empresa MAM, o VTB Capital Plc (intervencionado) e o antigo VTB Bank Europe, num litígio que corre no Tribunal de Londres desde fevereiro de 2019.

"O acordo extrajudicial oferece vantagens claras para o Estado, em comparação com uma decisão judicial incerta e com possíveis consequências insustentáveis para o país a curto e médio prazo. Além disso, evita recursos intermináveis e custos extremamente elevados, considerando os desafios económicos e fiscais atuais do país", declarou Max Tonela.

O Governo moçambicano assinalou ainda que o acordo não afeta a ações de responsabilização das pessoas envolvidas no escândalo das dívidas ocultas.

Este é o segundo acordo extrajudicial no âmbito deste caso.

Moçambique anunciou anteriormente que pagou 130 milhões de dólares (119,1 milhões de euros) a instituições financeiras no âmbito do acordo extrajudicial com o Credit Suisse para terminar uma disputa no Tribunal Comercial de Londres sobre o caso das "dívidas ocultas".

O julgamento em curso é o culminar de quase quatro anos de litígio na Justiça britânica, à qual o país africano recorreu alegando corrupção, conspiração para lesar por meios ilícitos e assistência desonesta para anular dívidas e reclamar compensação financeira no valor de milhões de dólares.

Moçambique exige 3,1 mil milhões de dólares (2,8 mil milhões de euros) por danos, compensação e indemnização ao grupo naval Privinvest e ao proprietário, Iskandar Safa, os quais acusa de pagar subornos a funcionários públicos, incluindo o antigo ministro das Finanças Manuel Chang, que assinou as garantias soberanas sobre os empréstimos.

O escândalo das dívidas ocultas remonta a 2013 e 2014, quando o então ministro das Finanças, Manuel Chang, detido agora nos Estados Unidos, aprovou, à revelia do parlamento, garantias estatais sobre os empréstimos da Proinducus, Ematum e MAM aos bancos Credit Suisse e VTB.

Descobertas em 2016, as dívidas foram estimadas em cerca de 2,7 mil milhões de dólares (cerca de 2,55 mil milhões de euros), de acordo com valores apresentados pelo Ministério Público moçambicano.

 

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