O Centro para a Democracia e Direitos Humanos (CDD), Organização Não-Governamental (ONG) moçambicana, entregou hoje uma queixa à Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os ministérios do Interior e da Justiça pelo "massacre" dos 33 reclusos.
"Estivemos de manhã na Cadeia Central e na BO [cadeia de máxima segurança] para apurarmos as mortes ocorridas no dia 25 de dezembro, naquela situação de tentativa de fuga de prisioneiros, e a informação que apuramos é que 33 pessoas foram assassinadas pelas balas da polícia, sendo 30 da cadeia central e três da BO", disse o diretor do CDD, Adriano Nuvunga, pouco depois da submissão da queixa na PGR.
Em causa está a morte de pelo menos 33 pessoas, de acordo com as autoridades moçambicanas, na sequência da evasão de 1.534 reclusos de dois estabelecimentos penitenciários na província de Maputo.
Adriano Nuvunga acusou o Estado moçambicano de usar a força policial, em particular a Unidade de Intervenção Rápida (UIR), considerando estas mortes como um "massacre".
"Analisamos toda a situação, todas as condições da fuga, e o que fica claro é que foi o Estado moçambicano, através dos seus polícias, que disparou indiscriminadamente e matou aquelas pessoas. Sendo 33 pessoas que foram assassinadas, isso já entra na categoria de massacre", explicou.
O diretor do CDD refutou a ideia de legítima defesa e defendeu a adoção de meios pelo Estado para impedir as fugas, "sem resultar em massacres contra moçambicanos".
"Enquanto viemos à procuradoria, a verdade é que massacres desta natureza merecem um tratamento ao nível internacional, porque são crimes contra a humanidade, mas isso passa por meter-se o processo no sistema judicial moçambicano. É isso que estamos a fazer", disse.
Segundo Adriano Nuvunga, existem investigações junto das famílias para a identificação das restantes vítimas e investigações de massacres similares nas províncias de Nampula e Zambézia, com perspetiva de término na quarta-feira, resultados que também serão submetidos à PGR como parte da "preparação do expediente para responsabilização internacional".
"Conforme se relatou e vídeos a circular mostraram, parte daqueles que foram recuperados e até alguns que voltaram para cadeia voluntariamente foram barbaramente assassinados e torturados até à morte. Alguns no estabelecimento prisional, mas outros no quartel da UIR e em algumas esquadras", concluiu.
O Serviço Nacional Penitenciário de Moçambique (Sernap) anunciou em 02 de janeiro que pelo menos 322 reclusos foram recapturados, de um total de 1.534 que fugiram em 25 de dezembro após rebelião na cadeia em Maputo.
Num direto na rede social Facebook, Venâncio Mondlane, candidato presidencial que lidera, a partir do estrangeiro, a contestação aos resultados eleitorais, rejeitou a tese do envolvimento dos manifestantes que contestam os resultados das eleições gerais de 09 de outubro, avançada pela polícia, acusando as autoridades de terem propositadamente deixado os reclusos fugir, com o objetivo de manipular as massas e desviar o foco da sociedade.
"Foi tudo propositado. São técnicas de manipulação de massas à moda dos serviços secretos soviéticos (...) para que as pessoas parem de falar na fraude eleitoral. Querem desviar o nosso foco", declarou Mondlane, acusando também as autoridades de terem "sacrificado" alguns dos reclusos.
Moçambique atravessa desde outubro uma crise pós-eleitoral, com protestos e paralisações que têm culminado em confrontos violentos entre polícia e manifestantes, que rejeitam os resultados das eleições de 09 de outubro, com quase 300 mortos e perto de 600 pessoas feridas a tiro, segundo organizações da sociedade civil que acompanham o processo.