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Moçambique. Brutalidade do terrorismo desafia saúde mental de militares

por Lusa

A crueldade dos grupos terroristas que operam no norte de Moçambique é um desafio à saúde mental das tropas governamentais, levando a manifestações de pânico, isolamento e apatia em alguns soldados, disse o psicólogo clínico moçambicano Achimo Chagane.

Chagane, um coronel na reserva das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), falava aos jornalistas à margem do "Simpósio de Saúde Mental no Setor da Defesa", organizado hoje, em Maputo, pelo Ministério da Defesa Nacional.

"Os primeiros episódios [de perturbação mental nos militares], quando começou esta guerra [na província de Cabo Delgado, em 2017], eram manifestações de militares, que, na caserna, levantavam-se à noite, aos gritos, viam o que mais ninguém via e disparavam de qualquer maneira", descreveu.

Também já se registaram casos de soldados que ficavam apáticos e pareciam estar a "viajar para o além", perante situações em que deviam agir, continuou aquele psicólogo clínico das FADM.

Achimo Chagane avançou que o impacto na saúde mental dos militares governamentais que participam nas operações em Cabo Delgado deve-se à brutalidade particular dos grupos terroristas, que agem de um modo diferente das forças inimigas que já estiveram envolvidas nas guerras que Moçambique travou.

"Para nós, militares que estivemos envolvidos em guerras anteriores no país [como a guerra colonial e a guerra civil], surpreende-nos o perfil da guerra dos terroristas, que nos colocam outro tipo de desafios à saúde mental", salientou Chagane.

Apontou casos de militares que viram colegas "decapitados e esquartejados" por insurgentes, com imagens com um impacto devastador no estado psiquiátrico dos soldados.

"Ver um colega abatido em combate é normal, para os militares, mas decapitado e esquartejado deixa um nível de perturbação profunda, deixa marcas profundas", frisou.

Hachimo Chagane defendeu a preparação mental e psíquica dos militares antes do seu destacamento para ações de combate e não apenas no período pós-conflito.

"Claramente que sim, nós temos que preparar psicologicamente os militares antes de irem para aquela guerra, porque, provavelmente, no passado, era uma preparação no pós-guerra", avançou.

As famílias, prosseguiu, também devem ser capacitadas para gerirem melhor a reintegração dos filhos e maridos que estiveram na frente de combate, porque a vida militar muda a personalidade dos soldados.

Aquele psicólogo clínico assinalou que o Ministério da Defesa Nacional tem dado a devida atenção à saúde mental dos soldados envolvidos na frente de combate ao terrorismo em Cabo Delgado, contando com a ajuda de parceiros internacionais como EUA e Portugal.

Apontou a presença de especialistas norte-americanos em saúde militar no simpósio de hoje em Maputo, como sinal da preocupação das autoridades moçambicanas, tendo em conta que os EUA lidam com inúmeros casos de traumas pós-conflito relacionados com a guerra contra o terrorismo, em várias partes do mundo.

O ministro da Defesa de Moçambique, Cristóvão Chume, disse, na abertura do encontro, que "as intervenções de saúde disponíveis nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique não abordam adequadamente as necessidades de saúde mental dos militares".

"A falta de informações objetivas sobre a prevalência de transtornos mentais e seu impacto nos militares limita a capacidade dos serviços de saúde militar fornecerem um atendimento eficaz", afirmou Chume.

Nesse sentido, impõe-se uma necessidade urgente de promover intervenções para a promoção, prevenção e tratamento de problemas de saúde mental nas Forças Armadas, acrescentou.

A abordagem, continuou, deve ter em conta desafios específicos de diferentes fases ou situações da vida militar, incluindo instrução, destacamento, participação em operações e o período pós-empenhamento.

Desde outubro de 2017, a província de Cabo Delgado, rica em gás, enfrenta uma rebelião armada com ataques reclamados por movimentos associados ao grupo extremista Estado Islâmico.

 

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