Beira, Moçambique, 22 mar (lusa) -- Amina Murteira viveu até à semana passada em Buzi, no centro de Moçambique, mas o ciclone Idai destruiu-lhe a casa e a subida das águas dos rios obrigaram-na a comprar a vida com um telemóvel.
Amina Murteira, marido e dois filhos, está desde quinta-feira na escola Samora Machel, na cidade da Beira, e na vila de onde chega não tem mais nada. "Nada mesmo". Mas tem uma história para contar da qual não se vai esquecer nunca mais. E conta-a cronologicamente.
No dia 14, quinta-feira da semana passada, cerca das 19:00, noite cerrada, chegou o ciclone Idai. "As chapas (telhados de zinco) de todas as casas caíram, os coqueiros, todas as árvores caíram".
Amina e família passaram a noite assim, à espera que o ciclone passasse. Na manhã de sexta-feira ela e família procuraram as telhas de zinco e improvisaram uma tenda, onde se abrigaram nesse dia e no sábado.
"No domingo começou a chegar a água. Quando vimos a água a vir, às 19:00, começamos a ir embora, mas quando demos dois passos já tínhamos água pela cintura. Foi só ir até à escola e da casa à escola já tínhamos água a chegar aos ombros, quase não conseguíamos andar". Amina conta tudo serenamente, mesmo quando fala da dificuldade em levar os filhos, mesmo quando fala da chegada à escola, onde já estavam outros vizinhos, de subirem para as janelas e de lá passarem a noite toda, sempre a sentir a água a subir.
Madrugada de segunda feira e nem as janelas eram já seguras. Com as capulanas, tecido tradicional de Moçambique com as mulheres cobrem o corpo, foi preciso improvisar cordas, que os homens subissem ao telhado da escola e que de lá puxassem as mulheres e crianças.
"Só que a água continuava a subir e as pessoas tinham medo de escorregar (do telhado inclinado). Pedimos socorro e vieram umas canoas só que estavam a cobrar dinheiro".
Ainda serenamente, sem rancor, como se fosse natural, Amina diz que pessoas que passavam de canoa se prontificavam a tirá-los dali a troco de dinheiro. Quaisquer 50 meticais (menos de um euro) servia. Mas as pessoas não tinham dinheiro.
"Entreguei o meu telemóvel para ser socorrida. As outras pessoas ficaram lá, não sei como saíram, não sei se saíram".
Amina diz-se por estes dias muito cansada. Dorme com a família no chão da escola, descansa enquanto os filhos andam a brincar pelos corredores, sorri de vez em quando e faz muitas pausas quando conta a sua última semana.
Os donos do barco que a salvaram deixaram-na com a família no centro da vila de Buzi, toda ela alagada também. Sentaram-se nas bancadas do campo de futebol, nos lugares mais altos, e ali ficaram, sentados, ao relento e rodeados de água. "Não tínhamos nada para comer nem para beber, as pessoas bebiam daquela água"
Amina foi ficando. "Na terça-feira começaram a vir helicópteros resgatar as pessoas, mas não consegui que nos levassem". Na verdade foi preciso que mais um dia se passasse e só na quinta feira Amina entrou no barco, que a transportou para a Beira. "Esse barco chegou aqui ontem, não teve que se pagar".
Amina está aliviada. "Aqui pelo menos tenho um chão seco para dormir, não tenho água encima", diz, explicando que quando saiu as águas já estavam a baixar um pouco.
E agora? Amina não sabe e é isso que lhe tira a serenidade do rosto. Emociona-se quando conta que quando regressar a Buzi não vai ter nada, nem casa, nem roupa. "Vamos ficar só sentados no chão".
"Queria voltar se tivesse um sítio alto para eu construir a casa. Porque no Buzi está sempre a entrar água. Em 2000 fiquei sem casa, em 2007 também entrou água". Mas por agora Amina não sabe quando deve voltar a "casa", o marido, professor, se calhar também não. Certezas, por estes dias, na escola Samora Machel, só tem uma. "O meu telemóvel é que me salvou a vida".