Moçambicano reclama "processo parado" dois anos após perder olho em marcha

Lusa

O moçambicano Inocêncio Manhique ainda clama por justiça e queixa-se de um "processo parado" na procuradoria da cidade de Maputo, dois anos após perder o olho durante a repreensão de uma marcha pacífica.

"Eu gostaria que a Justiça fosse feita e um dos atores principais de toda esta ação macabra fosse parar a barra da justiça, que é o senhor Bernardino Rafael, porque foi ele quem protagonizou toda esta situação", disse à Lusa Manhique, referindo-se ao então comandante-geral da polícia de Moçambique.

Manhique, 36 anos, perdeu o olho em 18 de março de 2023, dia em que agentes da polícia moçambicana alegaram ter "ordens superiores", nunca esclarecidas, para dispersar grupos que pretendiam realizar marchas pacíficas, em vários pontos do país, em homenagem ao `rapper` de intervenção social Azagaia, que tinha morrido uma semana antes.

A repressão policial, que ocorreu sobretudo em Maputo, deixou detidos e vários feridos.

Em junho de 2023, Manhique e Marcos Amélia, um outro jovem que também perdeu o olho na marcha, apresentaram uma participação criminal na Procuradoria da República, exigindo a responsabilização da polícia e uma indemnização de cinco milhões de euros cada, mas até hoje não obtiveram qualquer resposta sobre o desfecho do caso.

"O processo não está a andar, saiu da Procuradoria-Geral da República e foi para a procuradoria da cidade de Maputo. De lá para cá nem água vai, nem água vem", queixou-se Manhique, que na altura era assistido pelo advogado Elvino Dias.

Mas o processo de Manhique "acabou ficando parado" com a morte do advogado, assassinado em 19 de outubro, numa altura em que era também assessor jurídico do candidato presidencial Venâncio Mondlane.

Além da indignação pela injustiça, o jovem moçambicano ainda se queixa de dores nos olhos e idas frequentes ao hospital.

"O Estado prefere esquecer que eu existo", disse, referindo que as despesas hospitalares, que chegam a custar nove mil meticais (129 euros), são maioritariamente cobertas por si e com a ajuda de voluntários.

"As dores [no olho] vêm e vão e quando o inverno chega a coisa piora (...). Me sinto mal e indignado com a situação toda e que só vem se agravando porque o país vai assistindo a cada vez mais mortes", referiu Manhique, numa alusão aos novos protestos, que ocorrem desde outubro, e que já causaram centenas de mortos e feridos.

O jovem pede a união dos moçambicanos face à pior crise pós-eleitoral que o país vive, marcada por confortos violentos entre a polícia e os manifestantes, assinalando o 18 de março como uma "data histórica", em que "nasceram muitos heróis" e que despertou a juventude.

"No dia 18 nasce uma nova geração (...). Esta data vai incomodar aquelas que não gostam de justiça, mas vai libertar aqueles que lutam pela justiça deste país", concluiu.

O então Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, anunciou, na altura, averiguações à ação policial nas marchas, considerando, no entanto, que as autoridades tinham informações de que existiam "infiltrados" que queriam atingir "outros intentos" com a homenagem ao `rapper` Azagaia.

Na informação anual sobre o estado da Justiça no país em 2023, a então procuradora-geral da República, Beatriz Buchili, afirmou que o Ministério Público abriu processos-crime contra os agentes envolvidos nos confrontos de 18 de março, mas desde então não se conheceram mais desenvolvimentos.

Azagaia, que ficou célebre pela crítica aberta à governação, foi encontrado morto em casa em 09 de março, após uma crise de epilepsia, segundo a família.

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