Em direto
Eleições regionais. Madeirenses elegem nova composição do Parlamento

Milhões em risco. Glaciares derretem a velocidade "sem precedentes"

por Carla Quirino - RTP
Glaciar de Morteratsch em Pontresina, Saint Moritz, Suíça Denis Balibouse - Reuters

Dois terços de toda a agricultura irrigada no mundo serão afetados, de alguma forma, pelo recuo "sem precedentes" dos glaciares. A redução da massa polar ameaça ainda ecossistemas e o abastecimento de água a dois mil milhões de pessoas por todo o globo, alerta a ONU.

O Relatório Mundial de Desenvolvimento da Água 2025, da UNESCO, deixa claro que os glaciares estão a derreter com uma rapidez “sem precedentes” e esse recuo trará consequências imprevisíveis.

A crise climática, para além de desencadear o degelo, também está a impactar a diminuição da queda de neve nas regiões montanhosas, diz a Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada da ONU, que contribuiu com dados para o estudo.

O somatório destes fatores já ameaça ecossistemas, a agricultura e fontes de água doce. O degelo acelerado resulta no risco de desencadear uma avalancha de impactos em cascata sobre economias, ecossistemas e comunidades, não apenas em regiões montanhosas, mas globalmente.
Maior recuo
A taxa de recuo dos glaciares é a pior de todos os registos conhecidos, reitera uma outra investigação que caracteriza o Estado do Clima no último ano.

De acordo com esses dados, 2024 foi responsável pela maior perda, em três anos, de massa dos glaciares. A Noruega, a Suécia, a Svalbard (arquipélago na Noruega) e os Andes tropicais estão entre as áreas mais afetadas.A África Oriental perdeu 80 por cento das áreas geladas enquanto que nos Andes, os glaciares derreteram cerca de um terço e meio desde 1998.

O degelo contribui também para a subida global do nível do mar. Durante o período de 2000 a 2023 registou-se um aumento de 18 milímetros.

De acordo com o Serviço de Monitorização dos Glaciares do Mundo (World Glacier Monitoring Service WGMS), foi estimado que, desde o ano 2000 as áreas geladas perderam, em média, cerca de 2273.000 milhões de toneladas de gelo por ano, o "equivalente a três piscinas olímpicas por segundo".

As montanhas de gelo nos Alpes e nos Pirinéus são as áreas mais afetadas na Europa. Recuaram em perto de 40 por cento no mesmo período. 

Abou Amani, diretor de ciências da água da Unesco, explica que após o degelo a superfície, que até aí refletia o calor, passa a ser de solo escuro que irá absorver o calor.

“Os glaciares, ao derreterem, irão contribuir para o impacto na refletividade da radiação [solar] e isso afetará todo o sistema climático”, alerta.
E depois?
Uma vez quebrado o sistema climático, surgirão mais avalanchas devido à chuva que cai na neve. As paredes dos lagos formados pela água do degelo irão seder e por sua vez podem causar inundações repentinas nos vales. 

Por sua vez, a camada do subsolo da crosta terrestre que está permanentemente congelada - o permafrost – começa a aquecer e a libertar o metano das montanhas.

Estes impactos desencadeiam ainda mais pressão nas fontes de produção de alimentos, já ameaçadas.

Álvaro Lario, presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Ifad) e presidente da ONU-Água, apela por maior apoio dirigido às pessoas que vivem nas regiões montanhosas mais atingidas pelo degelo.

“A água flui para baixo, mas a insegurança alimentar aumenta. As montanhas fornecem 60 por cento de nossa água doce, mas as comunidades que protegem esses recursos vitais estão entre as mais inseguras em termos alimentares”, adverte.

Lario ainda deixa um conselho: “Devemos investir na resiliência destas pessoas para proteger os glaciares, rios e um futuro partilhado por todos nós”.
Questão de sobrevivência
Mais de 275 mil glaciares em todo o mundo cobrem aproximadamente 700 mil quilómetros quadrados. Juntamente com as camadas de gelo, os glaciares armazenam cerca de 70 por cento dos recursos globais de água doce.

Sem água doce para a produção de alimentos, a insegurança alimentar aumentará exponencialmente, o que coloca os países em desenvolvimento ainda mais vulneráveis.

Porém, os países desenvolvidos também não estão a salvo. O Relatório aponta um dos muitos exemplos: nos EUA, a bacia do rio Colorado está seca desde 2000 e as temperaturas mais altas significam que a redução da precipitação exacerba as condições de seca.

“Independentemente de onde vivemos, todos dependemos de alguma forma de montanhas e glaciares. Mas essas torres de água naturais estão a enfrentar um perigo iminente. Este relatório demonstra a necessidade urgente de ação” apela Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO.

"Preservar os glaciares não é apenas uma necessidade ambiental, económica e social. É uma questão de sobrevivência"
, insiste Celeste Saulo, secretária-geral da OMM.
Tópicos
PUB