Donald Trump disse, há um ano, que nunca pensaria recandidatar-se a um segundo mandato como Presidente dos EUA se não pudesse contar com a presença de Mike Pence, o vice que conquistou a sua confiança.
Numa reunião na Casa Branca, em 2017, Mike Pence conseguiu a proeza de elogiar Donald Trump por 14 vezes em menos de três minutos, à cadência de um elogio em cada 12 segundos.
Mesmo quando foi desautorizado pelo Presidente - quando estava à frente do gabinete de combate à pandemia de covid-19, em julho, e tinha prometido toda a ajuda aos governadores estaduais a encontrar fundos para os planos sanitários, para dias depois Trump dizer que estava disposto a cortar todos os fundos para os estados, se eles não reabrissem as escolas -- Pence nunca mostrou o menor embaraço ou irritação.
"Estamos consigo, senhor Presidente!" foi uma das frases que Pence mais repetiu ao longo deste mandato e que a imprensa norte-americana salientou como traço da inquestionável lealdade do vice-Presidente.
A parceria regressa agora na candidatura a um segundo mandato, nas presidenciais de 03 de novembro.
Vários analistas dizem mesmo que ele é o único homem em quem Trump confia verdadeiramente, recordando o histórico de mexidas no `staff` presidencial ao longo do primeiro mandato.
A verdade é que Pence foi de enorme utilidade para as aspirações de reeleição do Presidente, durante o único debate televisivo nesta campanha eleitoral, contra a adversária democrata, Kamala Harris, demonstrando uma serenidade que Trump não teve no seu confronto com Joe Biden.
Mike Pence conseguiu travar o ímpeto da senadora democrata e recebeu elogios de vários setores do partido e até o reconhecimento dos adversários políticos, que salientaram o bom desempenho do vice-Presidente numa situação difícil de embate onde lhe cabia o papel de assumir falhas do Governo de Trump.
Aos 61 anos e com uma imagem de político conservador, em contraste com o estilo `bon vivant` e mulherengo de Trump, Mike Pence parecia uma escolha improvável, no `ticket` (a dupla de candidatos à Casa Branca) da campanha republicana de 2016.
Com inegável pragmatismo, Trump intuiu que Pence lhe poderia ser muito útil a cativar o voto e os fundos de campanha da comunidade cristã evangélica, que vale quase um quarto do eleitorado dos EUA e junto da qual o antigo governador de Indiana agregara elevados níveis de prestígio.
O único momento de divergência entre os dois aconteceu ainda durante a campanha de 2016, quando foi divulgado um vídeo em que Trump aparecia a fazer comentários vulgares sobre as mulheres.
"Não posso tolerar as suas observações e não as posso defender", comentou, na altura Mike Pence, certamente bem mais chocado do que as palavras o deixaram entender, mas mostrando ao seu parceiro de campanha que a sua lealdade tinha algumas linhas vermelhas que, sobretudo no campo moral, não poderiam ser ultrapassadas.
Mike Pence, que nasceu em 07 de junho de 1959, em Columbus, Indiana, teve uma educação conservadora e revelou um forte sentimento religioso, de cristão evangélico, que moldou a sua vida pessoal e influenciou a sua carreira política.
Formou-se em Direito na Universidade de Indiana, mas cedo procurou a vida política, tendo perdido duas corridas para a Câmara de Representantes, em 1988 e 1990.
Foi eleito pelo Estado de Indiana em 2000 e permaneceu no lugar de congressista até 2013.
Nesse ano, Pence foi eleito governador de Indiana, tendo ficado conhecido por ter realizado a maior baixa de impostos daquele Estado do centro dos EUA, mas também por ter assinado várias leis de restrição à prática do aborto, numa postura política muito conservadora que lhe valeu críticas dos setores mais moderados do Partido Republicano.
Em 2016, Mike Pence chegou a pensar candidatar-se a Presidente dos EUA e teve mesmo várias reuniões com dirigentes do Tea Party, a fação ultrarradical republicana que via nele potencial para contrariar a hegemonia das fações mais poderosas do partido no Congresso.
Mas o convite de Trump para ser o seu candidato a vice-Presidente, nesse mesmo ano, retirou-lhe a ambição e Mike Pence muito rapidamente aceitou o desafio, apesar das reservas sobre o perfil do então empresário, que ele admitia ser muito "espalhafatoso" para o seu gosto mais conservador.
Durante o mandato, Pence foi sempre a peça discreta da equipa de Trump, tornando-se o único elemento que o Presidente nunca criticou publicamente e em quem foi progressivamente ganhando mais confiança.
Perante a pandemia de covid-19, no início deste ano, foi a Pence que Trump confiou o gabinete de crise, apesar de constantemente lhe retirar protagonismo, aparecendo ele próprio nas conferências de imprensa diárias.
Mas, ao mesmo tempo, Trump reconhecia a utilidade de ter Pence a lidar com as dificuldades de gestão da crise sanitária, em particular com o poder local.
"Ele fala a linguagem dos governadores, porque os conhece bem. Ele foi um deles", disse Trump, referindo-se à habilidade de Pence para travar a inquietude dos autarcas e dos líderes dos governos estaduais, que se queixavam com frequência da falta de apoio do Governo federal.
Mike Pence também nunca desafiou o Presidente ou o desmentiu, mostrando que era um leitor atento das numerosas mensagens de Trump na rede social Twitter, que ele depois repetia na solenidade dos eventos onde representava a Casa Branca.
"Ele merece a confiança do Presidente", disse um dos assessores de Trump, referindo-se ao modo como Pence foi sempre tratado, apesar deste ter confessado que, em privado, é muitas vezes "totalmente arrasado" pelas fúrias do chefe de Estado.