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Migrantes. Novo acordo europeu prevê regime voluntário de acolhimento

por Andreia Martins - RTP
Viktor Órban, primeiro-ministro húngaro, cumprimenta a chanceler alemã, Angela Merkel, durante a cimeira europeia François Lenoir - Reuters

Ao fim de mais de dez horas de cimeira, os 28 Estados-membros chegaram a um entendimento. O novo acordo europeu para a gestão dos fluxos migratórios estabelece a criação de plataformas de acolhimento em território europeu nos países que se disponibilizem para tal, mas também em países fora da Europa. No espaço comunitário, ainda nenhum Estado-membro se disponibilizou para albergar estes centros de triagem.

Depois de várias horas de intensas negociações, das ameaças de veto por parte de Itália e da oposição de representantes da Polónia e Hungria, a União Europeia conseguiu chegar a um acordo que prevê avanços importantes na resolução da questão migratória. O anúncio foi feito no Twitter por Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, já durante a madrugada de sexta-feira.


Na prática, o entendimento prevê a criação de campos de migrantes fora da Europa, o que irá implicar diálogo e acordos com outros países, nomeadamente no norte de África. Prevê-se também a criação voluntária de centros de acolhimento para migrantes dentro das fronteiras europeias.

Nestes centros controlados, localizados em Estados-membros que se predisponham a criá-los, será feita a avaliação e separação entre possíveis refugiados e os “imigrantes económicos”. Nos termos deste acordo, prevê-se que estes últimos sejam devolvidos aos seus países de origem. A recolocação e reinstalação de refugiados terá sempre caráter voluntário, no contexto destes centros.

Duarte Valente, correspondente da RTP em Bruxelas

Quanto aos requerentes de asilo, serão realocados e distribuídos por Estados-membros que se ofereçam para os receber.

“De acordo com o Direito Internacional, aqueles que são resgatados do mar devem ser atendidos com base num esforço conjunto, transferindo-os para centros controlados, estabelecidos em Estados-membros numa base voluntária, onde o processamento rápido e seguro permita, com total apoio da União Europeia, distinguir migrantes irregulares e refugiados”, refere-se nas conclusões do documento final.

Acontece neste ponto uma das maiores mudanças ao nível migratório dentro da União Europeia. É que o acolhimento passa a ser voluntário, ou seja, caberá a cada Governo definir se aceita ou não acolher refugiados, o que representa o fim do sistema de quotas obrigatórias de distribuição.

Andrea Neves, correspondente da Antena 1 em Bruxelas

Estes centros de seleção terão como finalidade distinguir entre os refugiados e os migrantes económicos que podem ficar na União Europeia daqueles que poderão ser repatriados para os países de origem. Chegados a território comunitário, os migrantes devem permanecer nestes centros até que a sua situação seja definida e possam receber, ou não, um estatuto de proteção.

O texto final desta cimeira reforça também "a necessidade de intensificar significativamente o regresso efetivo dos migrantes irregulares".
"Não queremos um modelo australiano"
Durante a discussão do acordo, Roma ameaçou vetar o texto e exigiu uma ajuda europeia a Roma no controlo dos migrantes que chegam aos portos italianos. No final da reunião, o primeiro-ministro italiano Giuseppe Conte declarava:

“Estamos satisfeitos. Foi uma longa negociação, mas a partir de hoje a Itália já não está sozinha”.

O novo acordo não é de assinatura obrigatória e todos os Estados-membros, que participam de forma voluntária. Acaba-se desta forma com o sistema obrigatório de quotas, criado após a crise migratória de 2015. 
O acordo agora firmado prevê ainda a criação de zonas de desembarque para chegadas irregulares, ainda que este conceito esteja ainda indefinido.

"O Conselho Europeu pede à Comissão Europeia para que explore rapidamente o conceito de plataformas de desembarque regional em estreita cooperação com países terceiros, mas também ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e à Organização Internacional para as Migrações", referem os chefes de Estado e de Governo no acordo alcançado.

As duas organizações deram o seu aval a este ponto do entendimento durante a semana. Num documento a que o jornal The Guardian teve acesso, o ACNUR e a OIM apelam aos Estados-membros “uma liderança forte na defesa do direito ao asilo e do direito dos migrantes”, ao enfatizar que a União Europeia não se pode retirar deste problema.

“O que não queremos é a existência de centros de processamento externos, definitivamente não queremos um modelo australiano”, disse ao Guardian Eugenio Ambrosi, responsável europeu junto da Organização Internacional para as Migrações, numa referência aos controversos centros de detenção em várias ilhas do Pacífico.

A criação destas plataformas de desembarque pretende, segundo o documento, ""desmantelar definitivamente o modelo de negócio dos passadores, evitando assim a trágica perda de vidas humanas".

"Estas plataformas deverão funcionar mediante a diferenciação das situações individuais, no pleno respeito pelo Direito Internacional e sem criar um fator de atração", diz o texto das conclusões.

Sobre a gestão das fronteiras externas, o documento final do Conselho Europeu assinala a necessidade de reforçar os meios à disposição da Frontex, melhorando o "controlo efetivo" com "apoio financeiro e material" de Bruxelas.
Situação interna em Itália e na Alemanha
A questão migratória é discutida na Europa num dos momentos de menor pressão dos fluxos migratórios depois da crise de 2015, ano em que chegaram mais de um milhão de migrantes. Em 2018, houve até agora registo de 43 mil chegadas desde o início do ano, segundo dos dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).


No entanto, o tema tem dominado a atualidade e foi também o principal tópico de discussão entre os Estados-membros na cimeira europeia que começou na quinta-feira em Bruxelas e termina esta sexta-feira, muito devido à situação interna vivida em vários países, nomeadamente Itália e Alemanha.

Em Roma, a tomada de posse de um Governo conservador - com Matteo Salvini, líder da Liga, a ocupar o cargo de ministro da Administração Interna – levou a uma tomada de posição mais rígida por parte de Itália, com a recusa de desembarque de pelo menos dois navios humanitários, primeiro o Aquarius, depois o Lifeline. Os governantes italianos pediam uma resposta europeia conjunta, que apoiasse os países mais afetados com a chegada de migrantes.

Em reação a este acordo, Matteo Salvini mostrou-se muito mais apreensivo que o primeiro ministro no papel.

“Não confio em palavras. Vamos ver quais são os compromissos em concreto”, referiu o governante em declarações a uma rádio italiana.

No caso da Alemanha, poderá estar em causa a própria liderança de Angela Merkel no Governo alemão. É que o ministro alemão da Administração Interna, Horst Seehofer, da CSU (que concorre apenas na Baviera), ameaçou fechar as fronteiras aos refugiados, uma afronta à posição assumida pela chanceler alemã desde o pico da crise migratória.

Ainda não é certo, no entanto, que o acordo alcançado nesta cimeira possa ter colocado um ponto final à tensão entre a CDU de Merkel e a CSU, partidos aliados há quase 70 anos.
Ainda sem voluntários
Numa primeira discussão, vários países do sul da Europa, com destaque para a Itália, França, Espanha, Grécia e Malta, mostraram-se favoráveis a uma partilha comunitária na gestão dos fluxos migratórios, mas a pressão vinda de leste e da Europa central acabou por forçar o caráter voluntário deste acordo.

O fim da partilha de responsabilidades em todo o espaço comunitário, perante resistência por parte do bloco anti-migratório na Europa Central, é considerado um dos pontos fracos deste acordo.

Para já, nenhum dos países deu sinal de disponibilidade para a criação destes centros de apoio, ainda que Grécia e Espanha tenham sido apontadas como candidatas, segundo avança o El País.

“Os centros podem ser uma opção para alguns países. A nossa opção é de continuar com os nossos instrumentos e agradecer os recursos económicos que estão a ser entregues aos países de origem e de passagem”, disse aos jornalistas o presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, no final da noite de negociações.

O responsável espanhol referia-se ao apoio financeiro de 500 milhões de euros ao fundo fiduciário de África, estabelecido em termos comunitário no início da semana, num encontro informal para a preparação da cimeira europeia. Este investimento tem como propósito combater as causas das migrações na sua origem.

Durante a semana, o líder espanhol tinha mostrado disponibilidade no acolhimento de alguns refugiados vindos da Alemanha, após a assinatura de um acordo bilateral com a chanceler alemã. Madrid mostrou-se ainda disposta a liderar o diálogo com os países do norte de África, em nome da União Europeia.
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