Mercúrio pode ter camada subterrânea de diamantes com espessura até 18 km, aponta estudo

por Carla Quirino - RTP
As cores realçam as diferenças químicas, mineralógicas e físicas entre as rochas que compõem a superfície de Mercúrio. Missão Messenger NASA

Uma nova investigação sobre a constituição geológica do planeta Mercúrio aponta para a existência de uma camada de diamantes que pode atingir 18 quilómetros.

Os diamantes podem ter-se formado logo após o Mercúrio se fundir e formado como planeta, há cerca de 4,5 bilhões de anos, a partir de uma nuvem rodopiante de poeira e gás que produziu um ambiente de alta pressão a alta temperatura.

O planeta do sistema solar mais pequeno e o mais próximo do sol tinha uma crosta de grafite, que flutuaria sobre um profundo oceano de magma.

Agora, uma equipa de investigadores da Universidade de Liège, na Bélgica, recriou esse ambiente escaldante numa experiência. Utilizou uma máquina chamada prensa de bigorna, normalmente usada para estudar como os materiais se comportam sob pressão extrema. O mesmo tipo de máquina também é usada para a produção de diamantes sintéticos.

“É uma prensa enorme, que nos permite submeter amostras minúsculas à mesma alta pressão e alta temperatura que esperaríamos nas profundezas do manto de Mercúrio, na fronteira entre o manto e o núcleo”, descreveu Bernard Charlier, chefe do departamento de geologia da universidade belga e coautor da investigação.
Diamantes podem ser (os melhores) amigos dos cientistas

A equipa inseriu uma mistura sintética de elementos como - o silício, titânio, magnésio e alumínio - dentro de uma cápsula de grafite, imitando a composição do interior de Mercúrio que os cientistas acreditam ser.

Submeteram, depois, a cápsula a pressões de quase 70 mil vezes maiores do que as encontradas na superfície da Terra e temperaturas de até dois mil graus Celsius, reproduzindo as condições provavelmente existentes perto do núcleo de Mercúrio, há milhões de anos atrás.

Prensa de bigorna, localizada no Centro de Investigação Avançada em Ciência e Tecnologia de Alta Pressão em Pequim | Yanhao Lin

Depois que a amostra derreteu, os cientistas observaram as alterações na química da mistura e nos minerais num microscópio eletrónico e perceberam que o grafite tinha-se transformado em cristais de diamante.

De acordo com os investigadores, este processo pode revelar informações “sobre os segredos escondidos abaixo da superfície de Mercúrio”. Esta análise contribui ainda para o conhecimento da evolução planetária e a estrutura interna de exoplanetas (planetas fora do Sistema Solar) com características semelhantes.

“Sabemos que existe muito carbono na forma de grafite na superfície de Mercúrio, mas há poucos estudos sobre o interior do planeta”, afirmou Yanhao Lin, cientista da equipa do Centro de Investigação Avançada em Ciência e Tecnologia de Alta Pressão em Pequim e co-autor do estudo, citado na CNN.

“Comparado com a Lua ou Marte, sabemos muito pouco sobre Mercúrio, também porque não temos nenhuma amostra da superfície do planeta”, sublinhou Charlier.

“Mercúrio é diferente de todos os outros planetas terrestres”, acrescentou, porque “está muito perto do sol e, portanto, tem uma quantidade muito baixa de oxigênio, o que afeta a sua química”.
Carbono, alta pressão e temperatura necessária
O planta Mercúrio deve a sua superfície de tons de cinza à presença disseminada de grafite, que é uma forma de carbono. Os diamantes também são constituídos por carbono puro, formados sob condições específicas de pressão e temperatura. Os investigadores queriam ver se esse processo poderia ter ocorrido durante a formação do planeta.

“Descobrimos que as condições são diferentes da Terra porque há muito enxofre em Mercúrio, o que diminuiu o ponto de fusão da nossa amostra”, observou Charlier.

A mistura derreteu completamente a uma temperatura mais baixa em comparação a um sistema sem enxofre, o que é bom para a estabilidade do diamante, isto porque o diamante gosta de alta pressão, mas de temperatura mais baixa", argumenta.

"E é principalmente isso que a nossa investigação nos diz — o oceano de magma de Mercúrio é mais frio do que o esperado, e também mais profundo, como sabemos pela reinterpretação de medições geofísicas”, acrescentou Charlier, relembrando os dados registados na missão da sonda MESSENGER da NASA, que orbitou o pequeno planeta em 2008 a 2015.

De acordo com o estudo, são esses dois fatores que tornam possível a formação dos diamantes.

"Esta camada de diamante pode formar-se de diferentes maneiras. Primeiro, pode ser cristalizada em altas pressões do oceano de magma saturado de carbono. Segundo, possivelmente como uma transformação de grafite aprisionada no interior de Mercúrio que est+a a arrefecer. E, finalmente, do carbono no núcleo do planeta, cristalizando em diamante e filtrando-o lentamente  para o limite núcleo-manto, contribuindo para a formação de uma camada de diamante tardia". 

Os autores concluem que a mobilização de diamante do núcleo, além de alguma cristalização do oceano de magma, é o cenário mais provável que pode produzir uma camada de diamante significativa.


Grafite à superficie de Mercúrio |  NASA/Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins/Instituição Carnegie de Washington

Pode-se falar numa camada com diamantes com uma espessura entre 15 a 18 quilómetros, porém Charlier alerta que “essa dimensão é apenas uma estimativa e pode mudar porque o processo de formação dos diamantes ainda está em andamento, à medida que o núcleo de Mercúrio continua a arrefecer”.

“Também não temos ideia do tamanho deles, mas um diamante é feito apenas de carbono, por isso devem ser semelhantes ao que conhecemos na Terra, pensando na sua composição. Podem parecer-se pareceriam com diamantes puros”, acentua.
Minerar os diamantes à superficie?
A exploração de diamantes em Mercúrio está fora de causa para Charlier, isto porque “seria impossível mesmo com tecnologias futuras mais avançadas devido a estarem a uma profundidade de cerca de 500 quilómetros”.

“No entanto, algumas lavas na superfície de Mercúrio foram formadas pelo derretimento do manto muito profundo. É razoável considerar que esse processo é capaz de trazer alguns diamantes à superfície, por analogia com o que acontece na Terra”, remata.
Confirmar a "ideia interessante"
Para Sean Solomon, investigador principal da missão MESSENGER da NASA para Mercúrio e cientista adjunto na Universidade de Columbia, na cidade de Nova Iorque, esta tese da existência de diamantes é "uma ideia interessante", porém apresenta-se como um desafio para futuras missões a Mercúrio poderem confirmá-la.

"Qualquer camada de diamante é profunda e relativamente fina", diz Solomon, que não faz parte do estudo.
E acrescenta : “A técnica mais promissora é provavelmente a sismologia, porque as velocidades das ondas sísmicas no diamante são muito maiores do que aquelas produzidas pelas rochas do manto ou no material do núcleo, mas as medições sísmicas exigirão um ou mais módulos (do veiculo espacial) que permitam pousar e permanecer na superfície de Mercúrio por algum tempo”.

A missão BepiColombo, é para já a única missão planeada para chegar a Mercúrio. Originalmente tinha um módulo de pouso, mas foi retirado do projeto devido a restrições orçamentais.
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