“O meu forte palpite é o de que uma política de Harris para o Médio Oriente não seria abrupta ou radicalmente diferente da de Biden. Mas também que as suas diferentes experiências geracionais sobre a política de Israel, a liderança, a postura e a história, tornariam a política dela muito menos tolerante, com cheques em branco, para com este Governo israelita de extrema-direita do que tem sido a dele”, perspetiva Kurt Andersen.Kurt Andersen respondeu por e-mail a um conjunto de questões da RTP sobre possíveis cenários de curto a médio prazo para a política externa dos Estados Unidos.
O escritor norte-americano, entre as vozes mais críticas do campo republicano e do seu candidato, não arrisca, por outro lado, avançar com uma previsão concreta para a estratégia internacional da superpotência num quadro de vitória de Donald J. Trump.
“A minha expectativa seria a de que Israel – isto é, Netanyahu e o seu Governo – enfrentaria ainda menos pressão por parte do Governo dos Estados Unidos do que tem enfrentado da Administração Biden”, afirma.
“Contudo, uma vez que Trump não tem verdadeiros princípios sobre nada e virtualmente nenhum entendimento da história de Israel e do Médio Oriente, prever como a nossa política poderia evoluir com ele é virtualmente impossível”.
“Dois factos chave: dois mil milhões de dólares dos três mil milhões de dólares na firma de investimentos do seu genro Jared Kushner são da coroa saudita e Trump admira e inveja os líderes ditatoriais de países não democráticos”, acentua.
“E, como digo, o facto de o Irão ter líderes fortes e antidemocráticos não é de todo um problema para Trump”, completa.
NATO e Ucrânia. Com o que pode o Ocidente contar?
Kurt Andersen não vê “sérios rancores” de Trump para com “líderes de países da NATO, que não enveredaram e não enveredam, na verdade, em discussões públicas com ele”. Ademais, aponta o facto de “o seu amigo Orbán”, primeiro-ministro da Hungria, ser um dos líderes dos Estados-membros da Aliança Atlântica.
A haver uma “vingança” de um Donald Trump “cheio de rancores”, como descreveu Kamala Harris num dos comícios da campanha democrata, essa será exercida, segundo o escritor, sobre “inimigos internos”.Quanto ao projeto gizado por Vladimir Putin para fazer dos BRICS um contrapoder face aos Estados Unidos, Kurt Andersen propugna que é Kamala Harris quem está mais apta a contrariar o homem forte do Kremlin: “Contra o homem com professadas e consistentes afinidades naturais com o líderes brutais e autoritários de países não democráticos de todas e quaisquer faixas – dos quais os BRICS (Rússia, China, Irão, etc.) são a organização internacional de facto”.
E o futuro imediato da Ucrânia? “A postura dos Estados Unidos na guerra na Ucrânia parece ser a mudança radical de política a curto prazo mais previsível”, caso Trump reconquiste a Presidência.
“Ele enfrentaria uma grande oposição no Congresso para eliminar a ajuda, para forçar efetivamente a rendição da Ucrânia, incluindo de republicanos. Mas eu penso que as suas atitudes, mais do que outros domínios, são fixas e reais – fundamentalmente pró-russas, mais o cínico porque é que gastámos 100 mil milhões de dólares nesta guerra”, vaticina.
À pergunta sobre quem acarreta um maior risco de deflagração de uma terceira guerra mundial, Kamala Harris ou Donald Trump, Andersen atalha: “Se isso significa a guerra nuclear, preveni-la nos últimos 79 anos dependeu de lideranças previsíveis, racionais, estáveis e coerentes nas poderosas nações nucleares. Só um dos nossos candidatos presidenciais é previsível, racional, estável e coerente”.
Kurt Andersen, de 70 anos, natural de Omaha, no Estado do Nebraska, foi co-fundador da revista Spy e do programa e podcast da rádio pública norte-americana Studio 360, distinguido com um Prémio Peabody. Foi também locutor e produtor do podcast Nixon at War, em 2021.Como jornalista, escreveu já nas páginas das publicações The New York Times e The Atlantic. Foi igualmente colunista da New Yorker e da Time. Trabalhou como editor-chefe na New York.
Andersen é autor de obras inscritas na lista de bestsellers do New York Times, nomeadamente Evil Geniuses e Fantasyland, além dos romances You Can’t Spell America Without Me, True Believers Heyday e Turn of the Century.
Destacou-se ainda como criador e argumentista de conteúdos para televisão, cinema e teatro.