May procura apoio interno ao pré-acordo para o Brexit

por Andreia Martins - RTP
O pré-acordo negociado pelas equipas técnicas de Londres e Bruxelas terá agora de receber o aval dos 27 Estados-membros e do Parlamento britânico Simon Dawson - Reuters

Um dia depois de ter sido alcançado um pré-acordo entre os representantes técnicos do Reino Unido e da União Europeia sobre o Brexit, a primeira-ministra britânica procura esta quarta-feira a aprovação por parte do seu Governo. Mas o processo está longe de ficar concluído: mesmo com “luz verde” em Downing Street, o documento terá de ser aprovado pelos chefes de Estado da União Europeia e pelo Parlamento britânico.

Ao fim de quase dois anos de negociações, o Reino Unido e a União Europeia chegaram a um princípio de acordo. Os termos deste entendimento ainda não são públicos, mas a BBC avança que o documento tem cerca de 500 páginas e estabelece como será a relação futura entre as partes.

A questão da fronteira entre as Irlandas foi um dos principais entraves às negociações, que ser intensificaram ao longo dos últimos dias em virtude da aproximação do prazo final para a aprovação de um acordo para a saída do Reino Unido.  

Segundo uma fonte do Governo britânico, em declarações à agência Reuters na passada segunda-feira, as negociações do Executivo britânico teriam de estar concluídas até quarta-feira de forma a possibilitar a realização de uma cimeira europeia extraordinária ainda durante este mês, possivelmente a 25 de novembro.  
A realização deste encontro com os 27 líderes europeus para ratificar o acordo – previsto para finais de novembro - permitiria submeter o mesmo no Parlamento britânico e introduzir a respetiva legislação a tempo da data oficial que ficou definida para a saída do Reino Unido da União Europeia: 29 de março de 2019.  

Para esta quarta-feira está marcado um Conselho de Ministros extraordinário, que se realiza às 14h00. O Governo britânico reúne-se com o objetivo de aprovar o plano esboçado pelas equipas de negociação.

Importa assinalar que foram vários os responsáveis do executivo de Theresa May que apresentaram a demissão, em confronto com os planos para o Brexit, como aconteceu nos casos de Boris Johnson e David Davis, que saíram em protesto contra o "plano de Chequers".

Ainda na sexta-feira, o secretário de Estado dos Transportes, Jo Johnson – irmão de Boris Johnson –, abandonou o Governo, considerando que a proposta de acordo da primeira-ministra constitui “um erro terrível” e insiste na defesa de um segundo referendo para o Brexit, alternativa que tem recebido amplo apoio entre várias figuras políticas do Reino Unido, desde logo os antigos primeiros-ministros Gordon Brown e Tony Blair.

Para evitar surpresas de última hora no Conselho de Ministros, a chefe de Governo chamou os vários ministros e responsáveis do seu Governo à residência oficial em Downing Street nas últimas 24 horas.
De calculadora na mão

Mesmo depois de conseguir “luz verde” em Downing Street, Theresa May terá de repetir o feito em Bruxelas, junto dos restantes líderes europeus - que também vetaram Chequers -, e por fim em Westminster, onde se avizinha uma batalha hercúlea para a líder britânica na Câmara dos Comuns. 

Após a presumível aprovação dos ministros europeus - praticamente certa, uma vez que o acordo foi negociado em conjunto pelas duas equipas técnicas, a britânica e a europeia - há ainda que enfrentar a oposição interna.  

Se, por um lado, os militantes pró-Brexit não veem com bons olhos as propostas da primeira-ministra, considerado que não se está a respeitar a vontade expressa no referendo de junho de 2016 e que se prevê uma aproximação excessiva a Bruxelas após a saída – Boris Johnson fala mesmo de uma situação de “vassalagem” do Reino Unido perante o bloco europeu, mesmo depois da saída - há ainda o voto dos europeístas ou daqueles que exigem que o acordo final seja sujeito a nova consulta popular.  

Theresa May precisa de garantir pelo menos 320 votos na Câmara dos Comuns de um total de 650 deputados, onde o Partido Conservador perdeu a sua maioria nas últimas eleições. No entanto, nem ao nível interno do partido – com um total de 316 parlamentares – existem sinais de unanimidade.

Em última análise, o veto parlamentar do plano para o Brexit poderá minar a própria sobrevivência do Governo e, neste momento, a aritmética na câmara baixa do Parlamento não favorece o Executivo britânico.

Segundo as contas da Bloomberg, estão garantidos pelo menos 235 votos a favor do acordo para a saída do Reino Unido. Destes, 150 funcionários ligados ao Governo não podem votar contra, estando obrigados a apresentar a sua demissão caso não concordem com o plano proposto. Os outros 85 destes 235 deputados são tories leais a Theresa May ou apenas membros do Parlamento que querem colocar um ponto final no tema “Brexit” o mais rápido possível e passar à discussão de outros assuntos.  

Feitas as contas, mesmo com estes 235 votos garantidos, Theresa May necessita do apoio de mais 85 membros do Parlamento e não se sabe onde os poderá granjear. A primeira-ministra poderá não contar com o apoio de alguns tories europeístas (até 12 deputados) ou de várias dezenas de deputados (pelo menos dez, no máximo, até 65 tories) que apelaram ao esboço de um plano com um maior afastamento em relação a Bruxelas após março de 2019.

Desde logo, a primeira-ministra britânica sabe que terá os votos contra de grande parte do Partido Trabalhista. No último congresso, realizado em setembro, o maior partido da oposição – com 257 deputados - mostrou-se favorável à realização de uma nova consulta popular sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.

Ainda que o líder do Labour afirme que o Brexit “não pode ser travado”, prevê-se que a esmagadora maioria do partido vete o acordo proposto por Downing Street, até porque isso poderá significar eleições antecipadas e uma hipótese de disputar votos antes das próximas eleições legislativas, que só deveriam ocorrer em 2022.   
Jeremy Corbyn prometeu na terça-feira que o partido “irá analisar os detalhes” do acordo que foi negociado quando estes forem disponibilizados. “Mas, do que já sabemos sobre a condução caótica destas negociações, é pouco provável que se trate de um bom acordo para o país”, escreveu o líder trabalhista no Twitter.  


O equilíbrio de forças na votação poderá ser feito com recurso aos pequenos partidos. Mas mesmo no caso do DUP (Partido Unionista Democrático, ou os unionistas da Irlanda do Norte), - força política que garantiu a continuidade dos conservadores no poder, ao apoiar o Governo minoritário que resultou das últimas eleições – é incerto qual será o sentido de voto dos dez deputados. 

Ainda na terça-feira, após ter sido anunciado o pré-acordo, Arlene Foster, líder do DUP, avisou que se iria opor a qualquer acordo que possa enfraquecer a união entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte.  


Após vários meses de negociação entre Londres e Bruxelas, o tema mais fraturante tem que ver com a falta de soluções que evitem uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.

A fronteira que divide os dois países na ilha irlandesa era até aqui um ponto livre de passagem. De um lado, a Irlanda do Norte, parte do Reino Unido, do outro, a República da Irlanda, país independente que vai continuar a integrar a União Europeia.

Londres, Bruxelas e Dublin pretendem evitar que se coloque em causa os termos do Acordo de Sexta-Feira Santa, assinado em 1998, mas ainda não há consenso sobre como controlar a fronteira após o Brexit.

O Reino Unido pretende que haja livre circulação entre as duas irlandas - da qual depende a atividade de várias empresas e a deslocação de pessoas - mas a União Europeia recusa a ideia de uma fronteira externa totalmente aberta.

A imprensa britânica cita fontes do Governo que garantem que a região "não vai ser tratada de forma diferente" em termos aduaneiros, por comparação com o restante território britânico. No entanto, em Bruxelas interpreta-se que a Irlanda no Norte terá um "estatuto especial" no que à união alfandegária e ao mercado único diz respeito. Dos fatores específicos, ainda desconhecidos, desta fronteira irlandesa depende o voto do DUP.

Mais previsível é o voto desfavorável ao plano de Theresa May por parte do SNP (Partido Nacional Escocês, com 35 deputados), ou de outros pequenos partidos, como os Liberais Democratas (12 deputados), o galês Plaid Cymru (4 deputados) e os Verdes (um deputado).

De acordo com uma fonte citada por The Guardian, a votação do acordo para o Brexit no Parlamento britânico deverá acontecer ainda este ano após a cimeira europeia no final de novembro, possivelmente a 10 de dezembro, após dois dias de debate.
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