Morreu Mario Vargas Llosa, o escritor do "horizonte mais vasto da experiência humana"

por Carlos Santos Neves - RTP
Mario Vargas Llosa na biblioteca do Instituto de França antes da cerimónia de admissão na Academia Francesa como "imortal", em Paris, a 9 de fevereiro de 2023 Sarah Meyssonnie - Reuters

Morreu no domingo, aos 89 anos, em Lima, o escritor Mario Vargas Llosa. Prémio Nobel da Literatura em 2010 e "imortal" da Academia Francesa, o autor peruano-espanhol propôs-se percorrer, nas páginas das suas obras, "um horizonte mais vasto da experiência humana".

"Com profunda dor, tornamos público que o nosso pai, Mario Vargas Llosa, faleceu hoje em Lima, rodeado pela sua família e em paz", escreveu Álvaro Vargas Llosa, filho do escritor, na rede social X, em mensagem também reproduzida pela filha, Morgana.

"A sua partida entristecerá os seus familiares, os seus amigos e os seus leitores em todo o mundo, mas esperamos que encontrem consolo, como nós, no facto de ter tido uma vida longa, múltipla e frutífera, e de deixar atrás de si uma obra que lhe sobreviverá", lê-se no mesmo texto.


Na mensagem, indica-se que o funeral decorrerá, nos próximos dias, "de acordo com as suas instruções". Pelo que "não haverá cerimónia pública".

"A nossa mãe, os nossos filhos e nós próprios confiamos que teremos espaço e privacidade para nos despedirmos dele em família e na companhia dos seus amigos mais próximos. Os seus desafios, como ele desejava, serão cremados".
Entre os maiores da literatura universal

Romancista, ensaísta, articulista e professor universitário, Vargas Llosa inscreve o nome na história da literatura como um dos mais influentes escritores latino-americanos.

A última obra, "Dedico-lhe o Meu Silêncio", foi publicada em outubro de 2023 - a despedida formal da ficção. Daí a dois meses, aplicaria igualmente um ponto final à assinatura de artigos na imprensa, nomeadamente à coluna quinzenal "Pedra de toque", publicada desde o início dos anos de 1990 no diário El País.

"Estes artigos eram a demonstração da sua inesgotável curiosidade intelectual e do seu afã por intervir em todos os debates sociais e políticos da atualidade. Neles, como em alguns dos seus ensaios, aparecia esse Vargas Lossa progressista no moral, mas neoliberal no económico que desconcertava (e até irritava) os milhares de admiradores das suas novelas", lê-se na edição online do jornal espanhol.Jorge Mario Pedro Vargas Llosa nasceu em Arequipa, no Peru, a 28 de março de 1936.

Vargas Lllosa encetou o envolvimento público em causas políticas como apoiante declarado de Fidel Castro e da revolução em Cuba. Transitou, em seguida, para a apologia da democracia liberal, conservadora e capitalista. Em 1990, candidatou-se à Presidência do Peru com o apoio de uma aliança de centro-direita, tendo como adversário Alberto Fujimori.

Ao receber o Nobel da Literatura, Vargas Llosa admitiu a dificuldade, para um escritor latino-americano, de escapar à política, dado que o seu foi historicamente um continente marcado por problemas sociais, cívicos e morais.

"A literatura latino-americana está impregnada de preocupações políticas, que, em muitos casos, são mais preocupações morais", clamava então, para contrapor: "Sou basicamente um escritor e gostava de ser lembrado - se for lembrado - pela minha escrita e pelo meu trabalho".

"Quando escrevo literatura, acho que as ideias políticas são secundárias. Acho que a literatura compreende um horizonte mais vasto da experiência humana", sustentaria.Ao galardoar Mario Vargas Llosa, a Academia Sueca destacou, na obra do escritor, uma "cartografia das estruturas do poder" com "imagens mordazes da resistência, revolta e dos fracassos do indivíduo".


A somar ao Nobel da Literatura, Mario Vargas Llosa recebeu distinções como o Prémio Rómulo Gallegos (1967), Princesa das Astúrias (1986), Planeta (1993), Miguel de Cervantes (1994), Jerusalém (1995), National Book Critics Circle Award (1997), PEN/Nabokov (2002) e Prémio Mundial Cino Del Duca (2008).

Sem ter escrito em francês, o escritor peruano-espanhol entrou, em fevereiro de 2023, para a centenária Academia Francesa, o primeiro escritor de língua espanhola a figurar entre os "imortais" da instituição.Vargas Llosa acumulou também doutoramentos Honoris Causa atribuídos por universidades da Europa, América e Ásia. Integrou ainda a Academia Peruana de Línguas desde 1977, a Real Academia Española, a partir de 1994, e a Academia Brasileira de Letras desde 2014.

Em Portugal, a obra de Vargas Llosa tem atualmente a chancela da Quetzal, que publicou livros como "Dedico-lhe o meu silêncio", "García Márquez - História de um deicídio", "Conversas em Princeton", "Tempos duros", "O apelo da tribo", "A civilização do espetáculo", "Cinco esquinas", "O heróis discreto", "O sonho do celta".

Antes disso, Vargas Llosa esteve no catálogo das Publicações Dom Quixote, que editaram obras como "Conversa n`A Catedral", "A tia Júlia e o escrevedor", "As travessuras da menina má", "Os contos da peste", "A festa do chibo", "A guerra do fim do mundo", "O falador", "Quem matou Palomino Molero?" e "História de Mayta", além de "Duas solidões", que documenta o diálogo literário de 1967 entre Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa.

A obra de Vargas Llosa passou ainda, em solo português, pelas editoras Publicações Europa-América - "A cidade dos cães" - e Quasi - "Diário do Iraque", "Israel Palestina". A Presença publicou "O barco das crianças", traduzido pelo poeta Vasco Gato.

"Devemos continuar a sonhar, lendo e escrevendo — a maneira mais eficaz que encontrámos de aliviar a nossa condição perecível, de derrotar os estragos do tempo e tornar o impossível possível", exortou o escritor em 2010.

c/ Lusa

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