Em direto
Guerra no Médio Oriente. A escalada do conflito ao minuto

Mar de Timor tem condicionado relação de líderes, diz Xanana Gusmão

por Lusa
Lintao Zhang - Reuters

O líder histórico timorense Xanana Gusmão admitiu hoje que o processo de negociações com a Austrália sobre o Mar de Timor, condicionou e condiciona a sua relação com os restantes líderes timorenses, tanto aliados como adversários.

Numa longa entrevista com a Lusa, em que contextualizou a atual situação política - o país tem eleições legislativas antecipadas a 12 de Maio -, Xanana Gusmão criticou em particular o Tratado sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (CMATS), assinado em 2006 pelo então primeiro-ministro Mari Alkatiri (Fretilin).

Em concreto, as críticas referem-se ao facto de Alkatiri ter aceite uma provisão do CMATS que remetia para dentro de 50 anos qualquer discussão sobre fronteiras marítimas, disse Xanana Gusmão, líder da Aliança de Mudança para o Progresso (AMP).

O CMATS foi também a questão que mais o colocou em choque com o anterior Presidente timorense e atual "número dois" da AMP, Taur Matan Ruak, e que tem também marcado a campanha. Para Xanana, é preciso clarificar o que disse serem falsidades sobre o processo.

"O problema do meu irmão Taur foi talvez uma falta de preparação, falta de uma análise antes de ir falar no parlamento sobre o CMATS", disse à Lusa, referindo-se a comentários feitos quando Taur Matan Ruak ainda era chefe de Estado.

Taur Matan Ruak errou ao pensar que Xanana Gusmão tinha estado envolvido ou tinha assinado o acordo com a Austrália com o qual nem sequer concordou, afirmou.

O assunto tem marcado a campanha para as legislativas, com Alkatiri a ser acusado pela oposição de não ter feito um bom acordo para Timor-Leste, com as críticas a visarem não o Tratado do mar de Timor, de 2002, mas sim o CMATS.

Xanana Gusmão liderou a negociação com a Austrália, que acabou com o CMATS e levou à assinatura no passado dia 06 de março, em Nova Iorque, do tratado de fronteiras marítimas permanentes entre os dois países.

Numa longa entrevista de mais de 70 minutos à Lusa, em Pante Macassar, capital do enclave de Oecusse-Ambeno, onde está em campanha desde domingo, Xanana Gusmão recordou os antecedentes "do muito longo processo" que levou ao novo tratado.

Um processo que "não começou em 2014", quando Timor-Leste notificou a Austrália da conciliação compulsória no âmbito da Lei do Mar, mas sim depois da assinatura do CMATS e, em particular, a partir de 2009, disse.

Foi nesse ano que teve conhecimento de que um espião australiano tinha colocado um sistema de escuta na sala do Conselho de Ministros timorense, durante o período em que decorriam as negociações do CMATS, lideradas por Alkatiri e José Ramos-Horta, lembrou.

"Fiquei com aquilo e ninguém mais soube. Porque só em Fevereiro de 2013 é que o CMATS poderia ser trabalhado porque até lá não havia licença nenhuma em causa. Esperei esse tempo todo", disse.

"Eu levei este peso todo esse tempo e vem o meu irmão Ruak, que não percebe disto e vem dizer o que disse. Pensei 'já me estragaste o trabalho todo'. Isso é que nos colocou em choque", afirmou.

A questão foi tão importante na relação entre os dois que a comparação que Taur Matan Ruak fez de Xanana Gusmão ser como o antigo ditador indonésio Suharto foi "coisa pequena".

"Para fora eu podia referir-me ao Suharto não ao CMATS", recordou.

Segundo Xanana, os comentários de Taur Matan Ruak acabaram por o ajudar, num longo processo que preparou vários anos e que levaria à conciliação compulsória com a Austrália, permitindo consolidar o que já tinha preparado para si próprio: o lugar de negociador principal.

Na entrevista à Lusa contou que os comentários de Ruak sobre o CMATS permitiram que fosse ter com o então primeiro-ministro Rui Araújo para lhe dizer que assumiria as funções de liderar o Gabinete de Fronteiras Marítimas, que tinha deixado quase pronto antes de ceder o cargo de chefe de Governo.

"Neste caso, em que temos que ser duros, temos que ter a enciclopédia pronta para entrar no momento adequado e ter coragem, ofereci-me. Mas já estava tudo preparado", contou.

Tópicos
PUB