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Maputo pede recurso contra extradição de Manuel Chang para os EUA

por Lusa
Reuters

Moçambique apresentou um pedido de autorização de recurso no Tribunal Constitucional sul-africano, a mais alta instância judicial do país, contra a extradição para os EUA do ex-ministro das Finanças Manuel Chang para ser julgado por corrupção.

No pedido judicial, datado desta quarta-feira e a que a Lusa teve acesso, as autoridades moçambicanas solicitam ao Tribunal Constitucional sul-africano autorização para recorrer diretamente àquela instância superior da "sentença e ordens" proferidas pela juíza Margarete Victor, do Tribunal Superior de Gauteng, em Joanesburgo, em 10 de novembro e 7 de dezembro últimos.

De acordo com o documento, o Governo de Moçambique apresentou também um pedido no Tribunal Superior de Gauteng, solicitando autorização para recorrer ao Supremo Tribunal de Apelação (SCA, na siga em inglês), a instância judicial intermédia.

"A autorização para recurso submetida no Tribunal Superior [Gauteng] ainda está pendente e ainda não foi adjudicada", adianta o documento, sublinhando que "o pedido de autorização para recorrer diretamente a este Tribunal [Constitucional] não depende do resultado da autorização para recorrer ao Tribunal Superior de Apelação".

As partes no processo de extradição do ex-governante moçambicano têm 10 dias para se oporem ao pedido de Moçambique no Tribunal Constitucional sul-africano, segundo o documento.

A mais alta instância judicial do país deverá pronunciar-se a partir de 17 de janeiro do próximo ano - data em que termina o período de férias do judiciário sul-africano -, indicando se está ou não preparada para acolher o pedido de acesso direto da Procuradoria-Geral de Moçambique, disse hoje à Lusa fonte do processo judicial em curso.

Nesse sentido, o Governo moçambicano refere que a recente decisão do Tribunal Superior de Gauteng de extraditar Chang para os EUA "levanta uma questão constitucional para além da invalidade constitucional", salientando a "interpretação" da Lei de Extradição sul-africana que, refere o documento, "envolve a revisão da legalidade de uma decisão do executivo".

"O despacho do Tribunal Superior suscita também uma questão discutível de direito de interesse público, que deve ser resolvida pelo Tribunal Constitucional sem demora por duas razões. Em primeiro lugar, a questão da imunidade de acusação ao abrigo do protocolo da SADC sobre extradição levanta uma questão jurídica importante e discutível. Em segundo lugar, a questão de pedidos de extradição simultâneos por dois Estados concorrentes, os quais foram considerados legais pelo Magistrado [do Tribunal de Kempton Park], e qual dos dois tem precedência", referiu.

O Governo de Moçambique salienta ainda que "por último, é importante que a questão da contínua prisão de Chang até à sua extradição para os Estados Unidos da América (EUA) ou para Moçambique seja resolvida com prioridade pelo tribunal de segunda instância".

Há três anos que Moçambique tenta convencer a Justiça sul-africana de que o ex-ministro das Finanças Manuel Chang se encontra formalmente acusado ou julgado no seu país, onde deixou de gozar de imunidade por ter renunciado ao cargo de deputado, segundo o Governo moçambicano.

Todavia, em 7 de dezembro, na sentença por escrito a que a Lusa teve acesso, a juíza Victor referiu que "à luz das incertezas não resolvidas sobre a imunidade do Sr. Chang, na minha opinião, o ministro [da Justiça Ronald Lamola] não poderia ter tomado uma decisão racional".

No pedido ao Tribunal Constitucional, as autoridades de Maputo questionam também a "competência" do Tribunal Superior em Gauteng "para desconsiderar um mandado de prisão emitido por Moçambique para a prisão de Chang após a sua chegada a Moçambique, com base no facto de o Tribunal da África do Sul considerar que o mandado de prisão é incompleto", no âmbito do processo de extradição requerido pelo país lusófono vizinho.

A juíza Victor considerou "inválido" o primeiro mandado de detenção emitido por Moçambique contra Chang em 19 de janeiro de 2019, acrescentando que "o mandado foi emitido quando Chang era membro do parlamento, ele tinha imunidade de acusação na altura".

"O Governo de Moçambique emitiu um segundo mandado datado de 14 de fevereiro de 2020 pelo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo. Este mandado não estava diante do ministro quando ele mudou de decisão", referiu a juíza sul-africana na sentença por escrito, sublinhando que "à luz da emissão do novo mandado, só se pode concluir que o Governo considerou inválido o primeiro mandado, todavia foi sobre esse mandado que o ministro baseou a sua decisão, o que reforça a conclusão sobre a irracionalidade da sua decisão".

"A facilidade com que novos mandados são emitidos pelo Governo de Moçambique, também significa que os alegados crimes de que o Sr. Chang pode ser acusado podem ser alterados em crimes muito menores", frisou a juíza Victor.

No início deste mês, a juíza sul-africana reafirmou o julgamento oral proferido em 10 de novembro de 2021, de extraditar Manuel Chang, preso há 36 meses sem julgamento nos arredores de Joanesburgo, para os Estados Unidos, invalidando a extradição para Moçambique decidida anteriormente pelo Governo sul-africano.

A decisão judicial surge na sequência de um recurso do Fórum para a Monitoria do Orçamento (FMO), um grupo de organizações da sociedade civil moçambicana, que contestou a decisão do Governo da África do Sul de extraditar Manuel Chang para o seu país, anunciada em agosto passado.

A entrega de Chang estava prevista pela terceira vez depois de duas tentativas invalidadas em maio de 2019 e agosto deste ano para Maputo.

Nos últimos três anos, o ex-governante moçambicano, que é tido como a "chave" no escândalo das chamadas dívidas ocultas no país lusófono vizinho, enfrentou na África do Sul, sem julgamento, dois pedidos concorrenciais dos Estados Unidos e de Moçambique para a sua extradição.

O antigo governante moçambicano, detido no Aeroporto Internacional de Joanesburgo O.R. Tambo, em 29 de dezembro de 2018 a pedido dos EUA, está alegadamente envolvido no caso das dívidas ocultas contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimento Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.

A justiça moçambicana acusa os 19 arguidos do processo principal de se terem associado em "quadrilha" e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) - valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 mil milhões de dólares até agora conhecidos no caso - angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.

Em 9 de novembro de 2020, a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique remeteu para o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo um processo autónomo das dívidas ocultas em que acusa o ex-ministro Manuel Chang e outros três arguidos, anunciou em comunicado.

"O arguido Manuel Chang vem indiciado da prática dos crimes de violação da legalidade orçamental, corrupção passiva para ato ilícito, abuso de cargo ou função, associação para delinquir, peculato e branqueamento de capitais", refere-se na nota da PGR.

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